Eu tinha de novo 20 anos de idade e o meu amigo deveria ser pouco mais velho, talvez uns 25. Ele estava há horas a debater-se com um brutamontes qualquer e, por essa altura, a levar um arsenal de porrada. Eu, que até ao momento era o único espectador na plateia, resolvi finalmente meter-me ao barulho. Saltei para o volante da pick-up e apontei-a às pernas da besta, obrigando-a a uma queda aparatosa. Tenho a impressão que repeti a manobra até passá-la a ferro por completo, mas não tenho bem a certeza, porque entretanto acordei bruscamente.
Já era de dia ou quase, decidi levantar-me e correr as cortinas da janela do quarto, onde entrara já de noite. O hotel era o Splendid, em Baveno, à beira do Lago Maior do Piemonte italiano.
O meu quarto era no quinto andar e o que eu podia ver da janela era absolutamente deslumbrante: as águas plácidas e profundas do enorme lago, balançando entre montanhas monumentais, rendilhadas de casinhas à beira da água e cobertas de um manto de neve no topo, tudo envolvido numa névoa silenciosa e transcendente. Uma paisagem sensacional, um quadro de uma beleza prodigiosa – a mais completa antítese do sonho belicoso, que tirara de uma fita barata do meu subconsciente.
Foi justamente esse contraste radical que me espantou e me deixou a sonhar outra vez, mas desta vez acordado. Dei comigo a pensar: para a próxima, se quiser mesmo passar uma noite descansada, não será melhor hospedar-me num desses hotéis de paredes de papel e toques de despertar com berbequins?