O conceito por detrás de um cemitério de estátuas pode exercer uma força de considerável magnitude nos planos de um turista. Depende do sujeito, claro, dos seus interesses gerais e particulares, da localização da empreitada, da meteorologia, etc., etc. Claro. Mas, registada a tempestade perfeita em Budapeste, é difícil resistir a uma visita ao Memento Park.
Vai para 20 anos que ali está, a pouco mais de dez quilómetros do centro da cidade (40 minutos de transportes públicos), reunindo a estatuária que sobrou dos 50 anos de regime comunista. Foi desenhado pelo arquitecto húngaro Ákos Eleőd e aberto ao público em 1993, quando ainda se respirava o pó da destruição do Muro de Berlim e as cinzas do Pacto de Varsóvia. Não é caso único: há projectos idênticos na Rússia e na Lituânia.
À entrada, somos saudados por Lenine e por Karl Marx e Friedrich Engels, juntos. Não sabemos se há um significado na disposição das estátuas, o primeiro à esquerda e os segundos à direita, mas é fácil ver que os autores de Manifesto do Partido Comunista não estão em pé de igualdade: Marx está ligeiramente adiantado. De Lenine existem, em todo o parque, três estátuas. De Béla Kun, duas. Este é o histórico líder comunista que instaurou na Hungria, em 1919, a segunda república bolchevique da Europa; durou meses.
A ausência mais notada é a de Estaline. O seu busto não está no Memento Park, porque em 1956, durante a revolta popular (derrotada pelo Exército Vermelho), todas as estátuas do antigo líder soviético, então já morto, foram destruídas. Tudo o que ficou foram “As Botas”, agora expostas frente à entrada do parque. São símbolo da revolta, da luta húngara pela liberdade: a estátua de Estaline veio abaixo na sequência da sublevação, à conta da força bruta dos revoltosos; sobraram os pés, a base.
As estátuas não são tantas que façam do Memento Park um cemitério, mas são exemplares dignos do realismo soviético na estatuária. À parte a parede de fuzilamento, é possível visitá-lo com desafogo e até desprendimento. Afinal, o próprio arquitecto diz ter idealizado um espaço de liberdade construído a partir da memória nacional. No início da Primavera, está seco e impressiona pouco. Talvez ganhe imponência extra no pino do Inverno, com a neve a cobrir os caminhos e o nevoeiro a esconder estátuas.
Apesar de tudo, o Memorial Park faz parte da expiação húngara. Por aqui, não há pejo em apontar culpados para os regimes repressivos que ocuparam o país durante grande parte do século passado. Sobretudo, faz-se questão de não esquecer o terror das décadas de governo comunista, após a Segunda Guerra Mundial, até 1989, e dos anos imediatamente anteriores, sob o governo do Partido da Cruz de Flechas, que aliou a Hungria à Alemanha nazi (acabando mesmo por ser ocupada pelas forças de Hitler em 1944).
Na versão oficial, os húngaros não distinguem fascistas de comunistas: são déspotas idênticos com fardas diferentes. Para o provar montaram a Casa do Terror na avenida Andrássy, uma das mais ricas de Budapeste, onde os colocam lado a lado, comparando métodos de acção. Nos três andares de exposição, que incluem a sinistra cave com celas colectivas e solitárias, são vários os momentos em que se apontam nomes e mesmo fotografias dos principais responsáveis pela violência desses anos na Hungria, com as respectivas datas de nascimento e morte (ou sem estas últimas, revelando que ainda estão vivos).
Juntos, estes dois espaços são fundamentais para compreender a História recente da Hungria, tanto para quem chega de fora como para os seus próprios cidadãos. Ainda que não sejam tão ambiciosos no conteúdo e na contextualização como os visitantes mais exigentes esperariam, ainda que o método de nomeação de culpados seja questionável, o país sabe que tem algo para onde olhar e lembrar se quer ou não ir por ali. E as lições da História, sabemos, são indispensáveis.
Em Portugal, onde fica o museu com as memórias do Estado Novo? Bem a meio da avenida da Liberdade?