Se dúvidas houvesse, hoje caíram por terra – por neve, para sermos mais exactos. Nunca, mas nunca mesmo, digam “desta água não beberei”. Podem arriscar-se a beber e depois só há uma solução: chorar por mais.
Eu sou de praia e a neve é coisa para admirar de longe, costumava dizer a quem me quisesse ouvir. Hoje, do alto dos 1850 metros de Courchevel, Alpes franceses, sou obrigada a dar a mão à palmatória – ou os pés às raquetas, se preferirem. Pusemo-las ao final de manhã, mas antes do almoço só conseguimos mesmo fazer um exercício de reconhecimento.
Estômagos refeitos no restaurante do Hotel La Sivolière, o nosso quartel-general para os próximos dias, eis-nos de novo a pisar a neve fofa que não parou de cair quase todo o dia. Passa pouco das 14h30 e diz quem sabe que estarão uns seis graus negativos e esta é só uma das primeiras surpresas: é certo que estamos armados até aos dentes contra o frio, mas custa-nos a acreditar que a temperatura esteja tão baixa. O frio dos Alpes suporta-se muito melhor do que o do Porto, podemos concluir. Amanhã o mercúrio deverá descer aos dez abaixo de zero e até sábado aos 19, mas por enquanto não queremos pensar nisso.
Pensamos antes no que andámos a perder estes anos todos. Raquetas nos pés, vamos desbravando esta paisagem branca a perder de vista, salpicada apenas pelos vultos coloridos dos esquiadores que a cruzam, velozes e com a adrenalina alimentada. Pinheiros alpinos erguem-se em direcção aos céus e alguns dos seus ramos vergam-se ao peso da neve, que não tem dado tréguas. É fácil ficarmos de queixo caído diante deste cenário encantado – mais ainda quando somos estreantes neste contexto de silêncio quase absoluto, onde a natureza é quem mais ordena.
Uma hora com raquetas nos pés, porém, chega e sobra para provocar cansaço num corpo ainda às voltas com o peso da altitude. E há todo o caminho de volta e a subida até ao hotel, já o comprovámos esta manhã, não é pêra doce. Cumprimos o Chemin des Ecureuils (Caminho dos Esquilos) num passo mais lento. Estamos prestes a atravessar a última pista, onde, há pouco, nos cruzámos com Janeau, o cão preto que apanha bolas de neve no ar.
Mais um esforço e já estamos a salvo, na “Ski Shop” do hotel. Há crepes quentinhos, tartes de maçã e outras delícias à nossa espera, mas antes disso tratamos do equipamento para amanhã. Vai haver nova estreia para este lado: as botas do esqui são de 25 centímetros e o capacete é preto.
Espero sobreviver para contar a história.
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Sandra Silva Costa (texto) e Enric Vives-Rubio (fotos) viajam a convite da TAP e do Hotel La Sivolière