Acabámos de “aterrar” em Rabat. Pelo menos uns quantos de nós. A comitiva onde seguem os veículos cujos condutores regressarão de avião a Lisboa ainda vem a caminho; algures entre Ceuta e o fim da 3.ª etapa, que ligou Portimão à capital marroquina [o camião, que saiu de Portimão às 04h00, havia de chegar 03h25 do dia seguinte].
Foram precisas 14 horas, desde que abandonámos o hotel de Portimão, para atravessar a entrada do Ibis de Rabat. Pelo caminho ficaram cerca de 800km de asfalto e uma travessia marítima pautada pelas burocracias inerentes (passa documento, preenche papel, mostra outro documento, carimba papel…). Ainda assim, livrámo-nos das prováveis revistas aos carros. Depois de várias dezenas de viagens a Marrocos, “Zé” Pereira, o mecânico que este ano se junta à expedição, já se pode dar ao luxo de, qual ilusionista, tirar da manga um conhecimento aqui e outro acolá. Por isso, o que de início parecia interromper o percurso por um tempo infinito, despachou-se num instante. Saímos de Tarifa às 17h (hora local, 16h de Lisboa) e pelas 19h (também hora local; a mesma de Lisboa) já estávamos a tratar de levantar dinheiro e trocar euros por dirhams (1 euro equivale a 10 dirhams, sendo que o jantar, por exemplo, ficou em 75 dirhams).
Mas, antes de nos sentarmos à mesa, em solo marroquino, ainda havíamos de penar. Até Tarifa, progatonizámos um quase contra-relógio. É que jipes carregados equivalem a velocidades limitadas. Logo, a maioria do tempo foi-se circulando entre os 100 e os 120km/h. Com duas paragens para abastecer, uma das quais para um “bocadillo” para almoço, alinhámos na fila para o “ferry” mesmo a tempo de preencher mais um ou outro papel e embarcar. Por isso, à falta de competição, há desafios de sobra a ultrapassar.
Já do outro lado do canal, esperava-nos outro género de desafios. Depois da fronteira e das desconfianças dos guardas, tivemos de nos safar às operações stop um pouco por todo o lado – e, percebe-se, não vale a pena irritar nenhum agente; é passar certinho, sem avarias e sempre em frente –, trânsito caótico onde os sinais parecem servir para enfeitar e as pessoas que parecem nascer das bermas das estradas e até das auto-estradas num ponto no meio do nada.
São, entretanto, oito e picos e a fome leva-nos a decidir deixar a última etapa de quase 300km para depois do jantar. Ficamo-nos por Assilah, fazendo um pequeno desvio da auto-estrada que nos traria a Rabat, para aproveitarmos uma das muitas esplanadas de pequenos restaurantes: da ementa, a destacar um chá de menta hiperdoce e uma quente e revigorante harira, uma sopa tradicional marroquina que alguém acusa de ter vindo directamente de um pacote de sopa Maggi. Algo prontamente negado pelo homem que vai atravessando a estrada de um lado para o outro inúmeras vezes para nos servir, evitando os carros velhos e desconjuntados, e que se vai cruzando com dezenas de famílias que se passeiam: homens de crianças pequenas pela mão, mulheres acompanhadas com um trio de garotas de patins, alguém que passeia o cão (um husky que parece deslocado do ambiente), bandos de rapazes que se divertem…
Um dia longo que termina já a pensar na “cidade vermelha” que nos espera amanhã. Até Marraquexe.
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Carla B. Ribeiro acompanha o 2.º Portugal-Dakar Challenge, a convite da organização, de 30 de Dezembro a 13 de Janeiro. Informações gerais sobre o evento no primeiro post
Boa viagem, muitas fotos e relatos desta aventura .