Eis uma cidade – como muitas outras cidades alemãs, aliás – em que caminhar nas ruas significa andar constantemente a olhar por cima do ombro. Não ando tanto com receio de um qualquer gatuno, mas sempre com um medo atroz que, a qualquer momento, uma bicicleta me atropele. E convenhamos: ser atropelada por uma bicicleta não é uma história que se queira guardar para contar aos netos.
Placidamente, os peões de Munique não se mostram nem por um momento incomodados por esse constante estado de vigília. Nada os parece perturbar. Nem a peões, nem a ciclistas ou mesmo automobilistas. Aconteça o que acontecer nunca buzinam em protesto. Nunca, será demasiado, dirão. E é verdade: de vez em quando ouve-se um tímido bip-bip. Mas tenho uma secreta convicção de que se trata de um português que, tal como eu, não compreende este estado de apatia.
O caso agrava-se num cruzamento que junta mais de seis diferentes direcções. Por alguma razão, a rotunda foi preterida a favor de uns semáforos que parecem provocar mais confusão do que resolvê-la. A solução até poderia estar nos quatro agentes que tentam ordenar o trânsito. Mas um deles é ignorado vezes sem conta pelos colegas. E as vias que dirige simplesmente não andam.
Estou numa delas e vou estando. O sinal abre, fecha. Abre, fecha. Volta a abrir e a fechar. E sempre que a nossa orientadora está prestes a fazer sinal para avançarmos, eis que um dos colegas se antecipa e põe a sua via em movimento. Alguns automobilistas reclamam. Mas não buzinam. Um condutor mais enervado lá põe a cabeça de fora e explica-lhe que assim não pode ser. E o agente replica que não tem culpa, que só vai demorar mais um bocadinho, até, talvez, que está preocupado com o filho doente ou o carro que tem de levar ao mecânico (a verdade é que esta troca de palavras é apenas fruto da imaginação; houve conversa mas não se ouviu uma única palavra de tão baixo que falavam). Mas durante todo este tempo nem uma única apitadela.
Vinte minutos e nenhum som estridente depois, saio por fim daquela fila. O caos do trânsito é perturbador. Mas ainda mais é a calma com que se vive o caos.