O Corvo sem Caldeirão

A primeira coisa que se faz nos Açores ao acordar é abrir a janela e fazer figas para que o tempo esteja de feição. (Já estamos cansados de falar no tempo, mas não há volta a dar, nestas ilhas é ele quem mais ordena.) Hoje, quando corremos as cortinas, quase tivemos vontade de voltar para a cama. Só que, já aprendemos, aqui as coisas podem mudar em segundos.

Entramos no barco, um semi-rígido que nos levará ao Corvo pelas 9h30, já debaixo de sol. Somos 12 passageiros e dois tripulantes. A viagem dura pouco mais de uma hora e dá direito a passagem por alguns pontos de destaque na costa das Flores: ilhéus da Alagoa, de Álvaro Rodrigues, Fajã da Ponta Ruiva, grutas do Galo e da Catedral, a réplica marítima da rocha dos Bordões, que não lográmos ver em terra. Meia-hora depois da partida, começa a cavalgada a sério pelas ondas do Atlântico rumo à mais pequena ilha do arquipélago.

O mar está relativamente calmo, o máximo que nos acontece é chegarmos a terra ligeiramente encharcados. A Vila do Corvo é um amontoado de casas brancas num dos cantos da ilha – o resto é o vazio. Não há mais vazio do que isto, o que, aos nossos olhos de principiantes, tem muito de poético. As ruelas são apertadas, as casas empoleiram-se umas nas outras, ouvem-se vozes – mas quase não se vê gente. Ninguém parece saber ao certo quantas almas vivem no Corvo – e, pelo sim pelo não, toda a gente diz “quatrocentas e tal”.

Quem passa na rua diz bom dia a quem encontra – e quem encontra turistas a descer a estrada do Caldeirão (hoje estava debaixo de nevoeiro cerrado, qual é a novidade para nós?) pára e dá boleia. Paulo, um florentino que há 17 anos passou a ser corvino, é de poucas falas, mas aqui contam mais as acções do que as palavras. “Hoje está mau para verem o Caldeirão, têm de voltar”, diz-nos, enquanto roda a furgoneta encosta abaixo. E não abre mais a boca até nos deixar junto aos Correios.

Já vimos as tradicionais fechaduras de madeira, já espreitámos o único posto de artesanato da ilha, já travámos conhecimento com um gato que nos segue minutos a fio – e, sem Caldeirão para ver, está na hora de voltarmos ao barco.

O mar está agora mais bruto, haverá banho na certa. De vez em quando, uma onda mais violenta tira-nos o estômago do sítio, mas tudo passa quando avistamos golfinhos. Primeiro ao longe, em saltos acrobáticos; depois, cortesia de Carlos, mesmo ao lado do barco. São golfinhos comuns, muito frequentes na costa dos Açores, e fazem as delícias de todos os passageiros.

Para nós, podem ser um bom prenúncio. Ao longe já vemos as Flores – e o recorte dos pontos mais altos da ilha parece-nos muito mais nítido. Será hoje que vamos ver as lagoas?

[San­dra Silva Costa e Paulo Ricca (fotos) via­jam esta semana pelos Açores]

Veja aqui a foto­ga­le­ria As 9 Mara­vi­lhas dos Aço­res por Paulo Ricca

2 comentários a O Corvo sem Caldeirão

  1. Assim sendo não estiveram no Corvo. Passaram lá. O Corvo não é o “ver”. É o “sentir, o “saborear”. Pena tenho que nem todos o percebam. No entanto, acredito que aos poucos vamos mudando mentalidades… As que quiserem ser mudadas… Continuação de boas escritas.

    Responder
  2. De acordo com os sensos deste ano o Corvo tem 430 habitantes… Fica aqui o número exacto para os mais curiosos.

    Espero que escrevam muito mais sobre os Açores!!

    Bons voos

    Responder

Deixar um comentário

O seu email nunca será publicado ou partilhado.Os campos obrigatórios estão assinalados *

Podes usar estas tags e atributos de HTML:
<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>