Calhou-me o quarto 203, no chalet à beira da estrada, já à saída de Delnice em direcção à floresta de Rijeka. Ali, em pleno “coração da Croácia verde”, estava à espera de tudo menos de uma faustosa cama de dossel com floreados na armação em madeira escura a contracenar com a cobertura em alvíssimo linho branco.
Da mesma casa de decoração deve ter vindo a carpete vermelha padrão flor-de-lis e um vaso em latão de cone invertido, enfeitado com flores silvestres em plástico. Uma mobília feita por medida para fins-de-semana românticos em cenário de montanha, não propriamente para uma dessas estalagens que se enchem de motards copofónicos ao anoitecer e onde de manhãzinha se desperta ao som de uma sinfonia de camiões TIR.
Uma cama de dossel, enfim, ainda vá que não vá, mas que significado atribuir ao insólito quadro a cobrir a parede entre as duas janelas? Uma imagem de duas raparigas desenvoltas, à beira de se unirem num beijo escaldante, uma imagem reminiscente do porno ligeiro encenada nas páginas das revistas masculinas dos já distantes anos 80. Uma imagem yuppie-sexy, portanto, com pouco ou mesmo nada a ver com a mobília mais a dar para o Luis XIV. Mas talvez essa associação seja demasiado rebuscada e a decoração não tenha mesmo outro propósito que o de ajudar casais de pombinhos pouco inspirados a fazer ranger a madeira.
Mesmo assim… eu que acabo de acordar estremunhado ao som de uma buzina de camioneta igual à de um paquete no nevoeiro, eu que me sento na cama de dossel a contemplar pasmado a sugestão de amor entre mulheres, não consigo perceber. Ou melhor, não consigo imaginar um par de amantes a encontrar a luz naquela decoração, não certamente o tipo de jovens requintadíssimos que cruzei um dia antes na baixa de Zagreb. Mas, lembro-me agora, ontem à noite na sala de jantar do albergue só havia mesmo casais de alemães e austríacos já na idade da reforma.
seu maroto… sempre a pensar no ranger da madeira!