Os segredos do Ilhéu

Diz-se que aqui, há muitos séculos, foram enforcados uns soldados franceses. Diz-se que aqui aportavam caravelas. Diz-se que há canhões debaixo das águas do mar. Conta-se que quando havia vinhas, as senhoras da fidalguia de Vila Franca do Campo vinham para tomar banho longe dos olhares indiscretos, e os fidalgos subiam as encostas para apanhar uvas que lhes traziam enquanto elas se abrigavam do sol debaixo de um telheiro.

O Ilhéu de Vila Franca do Campo, na ilha de São Miguel, Açores, guarda segredos. E o segredo que melhor guarda é o da sua própria existência. Quem o olha a partir da vila não adivinha que o seu interior é uma cratera aberta transformada numa pacata lagoa no meio do oceano. É preciso apanhar um barco (saem à hora certa, do cais de Vila Franca do Campo), enfrentar durante dez minutos a ondulação, até chegar ao cais e descobrir finalmente a lagoa em redor da qual um dia cresceram vinhas.

O ilhéu é uma formação vulcânica em cujo interior se pode nadar rodeado por peixes. Quem leva toalhas pode-se deitar no caminho de que rodeia a lagoa, ou, se a maré tiver baixa, numa língua de areia que ali aparece. Virados para o centro do ilhéu quase esquecemos que o mar, o mar a sério, está ali à nossa volta. Mas de vez em quando ele faz questão de nos lembrar – o som aumenta, e uma onda rebenta debaixo dos nossos pés, entrando por uma das sete frechas pelas quais o mar invade a lagoa.

Em 1989, o ilhéu, que pertencia a um particular, foi adquirido pelo Governo Regional dos Açores. Hoje tem nadador salvador e vigilante da Natureza. E não pode receber mais do que 400 visitantes de cada vez. Já não será um segredo bem guardado. Mas é uma visita que vale a pena – sobretudo se não for na época alta. E podemos sempre imaginar que os soldados franceses que ali foram enforcados se despediram do mundo olhando-o pela última vez num lugar maravilhoso.

[Alexandra Prado Coelho e Pedro Cunha (foto) nos Açores]

2 comentários a Os segredos do Ilhéu

  1. Eis um texto maravilhoso, correcto e digno da majestade do “anel de princesa” de Vila Franca do Campo, antiga capital micaelense. Como vilafranquense, este pedaço de prosa cheira-me a poesia e vale por muitas campanhas turísticas, e como jornalista há 40 anos, reconheço que nesta descrição há talento, objectividade e acima de tudo, sensibilidade, que tanta falta faz a tantos jornalistas de hoje. Parabéns aos seus autores!

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