Ai Weiwei e a Grande Muralha

No noticiário das 23h00, uma voz off dava conta das últimas informações sobre a situação do dissidente e artista chinês Ai Weiwei, libertado sob caução na quarta-feira quando subitamente a emissão da CNN se interrompeu. Todos os outros canais internacionais continuaram a sua emissão normal. Pouco depois, o sinal da CNN regressou e voltaria a extinguir-se como por azar quando a história de Weiwei regressou ao alinhamento do jornal. Sai-se do hotel onde não se tem acesso a notícias de Weiwei, nem YouTube, nem Facebook, nem Twitter e fica-se com a estranha sensação de que a censura não combina bem com a paisagem que se vê na rua. O hotel fica a 300 metros da inacreditavelmente bela sede da TV chinesa desenhada por Rem Koolhaas (o mesmo da Casa da Música do Porto), as ruas têm um ar ocidentalizado, as pessoas parecem viver numa capital europeia. Mas sim, há estas estranhas habilidades de controlo que fazem pouco sentido no cenário futurista da Pequim de hoje.

Bem mais fácil é perceber o esforço que é feito para associar a fulgurante ascensão da China ao seu brilhante passado histórico. O património é hoje um poderoso ingrediente que se usa para lembrar que o músculo da China é coisa antiga, e que entre as velhas dinastias imperiais e o actual regime do PC há uma continuidade de cinco mil anos de civilização. Também por isso os monumentos na China estão tratados com um zelo irrepreensível. No caminho onde se iniciavam os funerais dos imperadores da Dinastia Ming até há música, que fica bem naquele lugar verde, tratado com esmero, e com uma colecção impressionante de estátuas que representavam os animais e as pessoas que acompanhavam o imperador à sua última morada. O mesmo acontece no mausoléu do imperador Yongle (1402-1424), onde se procura mostrar que a China da época era o maior colosso da Terra.

Mas é na Grande Muralha (que se visita a 90 km de Pequim) que mais se sente o orgulho do regime e dos cidadãos chineses. A obra, um devaneio do início do século XVI, acentuava o medo do Império em relação às invasões mongóis e foi um sorvedouro inimaginável de sacrifícios humanos e de recursos do Estado. Mas resistiu, está lá e é um emblema da perenidade da China. Os chineses vêm de toda a parte para a trilhar e impressiona ver o esforço que idosos ou crianças fazem para subir centenas de metros de rampas íngremes ou de escadas gastas pelo tempo até atingirem as torres mais altas e deixarem-se fotografar com imensa euforia.
Ir à Grande Muralha é um exercício fascinante para todos os que se impressionam um bocadinho com o património que nos invoca a História humana. Majestosa e gigantesca, é sem dúvida uma das obras mais marcantes da espécie. Mas ver aqueles rostos felizes dos chineses e notar que apesar de ser trilhada todos os dias por dezenas de milhar de pessoas não há ali uma ponta de cigarro ou um papel chega a ser comovedor.

Um comentário a Ai Weiwei e a Grande Muralha

  1. Acho que quem nunca subiu uns degraus que seja da Muralha da China não se pode sentir realizado. Subí-la até onde é possível dá-nos a sensação de ganho, de suprema vitória. Obrigada por esta descrição da visita.

    M.Clara Costa

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