A moda das flores de pano, ou das tiaras de plástico prateado, ou dos chapéus à Revolução Cultural com a estrela vermelha proeminente são ainda o must da indústria turística de Pequim, mas a tecnologia avança e não há nada que seja mais capaz de excitar os chineses do que o gadget da moda.
No belíssimo Palácio de Verão a temporada está marcada por uns óculos com nariz e bigode anexo de onde saem à força de um sopro uma espécie de serpentina e um assobio que faz lembrar o chilrear dos passarinhos. Como seria de esperar, a placidez do lado Kunming, com os seus admiráveis corredores exteriores pintados que celebram o devaneio (e a loucura malévola) da imperatriz Cixi tornou-se um parque onde a ornitologia artificial se impõe.
Na Cidade Proibida, o excesso não chegou a tanto, mas vendem-se por lá mapas, guias, postais e outra parafernália. Depois, o uso de pequenos amplificadores de som roufenho que os guias chineses usam para tornar mais audíveis as suas explicações sobre os mistérios e as maravilhas do espaço de 72 hectares, com 9900 quartos onde habitaram os últimos 24 imperadores (entre 1420 e 1911), as suas milhares de concubinas, os guardas dos espaços exteriores e os eunucos das praças privadas acabam por dessacralizar um dos lugares mais carregados de História do planeta.
É pena, porque para se poder, ao menos, chegar ao espírito do lugar seria necessária mais contemplação e solenidade. Desde a Praça Tianamen até ao jardim reservado ao imperador e à clausura das suas concubinas desfilam palácios atrás de palácios, portas a seguir a portas, praças sucessivas, cada uma com os seus significados e funções, todas com a ambição de provar a natureza celeste do imperador e a sua condição extraterrestre.
A imponência dos edifícios mete respeito e os detalhes de cada porta, de cada telhado, de cada estátua, das escadas ou das rampas esculpidas por onde só o príncipe celeste poderia passar (aos ombros dos seus criados, claro) são de uma extrema beleza. Há lugares que definem culturas e um tempo histórico, e a Cidade Proibida revela-nos imenso sobre o que foi a China imperial e quase tudo sobre a natureza do poder na China actual. Talvez por isso ali haja todos os dias algumas centenas de ocidentais e milhares de chineses da Mongólia, de Xinjiang, ou de qualquer outro ponto da República Popular. Ali, a propaganda faz sentido.
A 37 quilómetros de distância (uma ninharia à escala da capital chinesa mas que, como hoje, dia de chuva intensa, pode demorar três horas a percorrer no engarrafamento), o Palácio de Verão completa esta visão. O lugar é idílico, com árvores frondosas a ladearem um lago de águas calmas, com nenúfares nas margens a acentuarem o seu lado romântico. Na encosta, um templo de enorme beleza. Junto às águas, o tal corredor pintado e o palácio que Cixi mandou reerguer depois de ter sido destruído numa invasão franco-britânica na segunda metade do século XIX, quando a China se convenceu que era potência coisa nenhuma, e uma outra vez depois da revolta dos Boxers. Cixi gastou ali todo o dinheiro que o império havia amealhado para comprar uma frota capaz de bater o pé às potências europeias. E para simbolizar o carácter eterno do Império do Meio, que não precisa do mar exterior para exibir a sua grandeza, mandou fazer um barco de madeira pintada cor de mármore onde fez sala de chá.
Se a Cidade Proibida mostra os anos de fausto das dinastias Ming e Qing, o Palácio de Verão de Cixi revela a natureza de um império que não percebeu que nada no mundo é perene. A queda do último imperador às mãos de revolucionários inspirados nas ideias socialistas e comunistas mostrou o insucesso de fórmulas antigas de poder nas exigências da era industrial; o Palácio de Verão é um complemento desta tendência. Belo, pungente até, mas evidência de um equívoco sobre a natureza do poder que a actual liderança chinesa não segue nem de forma alguma.