Um furacão na campanha

Na recta final de uma corrida eleitoral, o que as campanhas mais temem é perder o controlo dos acontecimentos. Nos dias derradeiros, quando mais do que nunca importa cumprir a estratégia delineada e repetir ao eleitorado uma mensagem simples e sem desvios, os candidatos, as suas equipas e os jornalistas que cobrem as campanhas vivem imunes à realidade, numa verdadeira borbulha onde cada palavra, cada gesto, é meticulosamente encenado, cuidadosamente coreografado para produzir um efeito desejado, provocar uma dada reacção, promover um determinado comportamento. A imprevisibilidade — no caso, a “intromissão” do furacão Sandy na narrativa da campanha — é o maior desafio para uma campanha eleitoral.

Enquanto não se perceber a total dimensão dos prejuízos da passagem do furacão por uma série de estados da costa leste dos Estados Unidos, será difícil fazer uma avaliação imaterial dos efeitos ou consequências deste acto inesperado na campanha eleitoral. Mas mesmo sem sabermos ao certo quando várias estradas vão voltar a ficar transitáveis, quando o sistema de transporte público em algumas grandes cidades vai poder funcionar de novo, quando as populações vão regressar a casa, voltar a dispôr de abastecimento eléctrico, dar por concluídas as operações de limpeza, …, podemos arriscar analisar o comportamento dos dois candidatos presidenciais (e respectivas campanhas) nestes dois dias e especular sobre as suas implicações para o desfecho eleitoral.

Falar em “oportunidade” quando se está perante um desastre natural que afecta milhares de pessoas soa sempre mal, mas é precisamente esse o pensamento das campanhas políticas confrontadas com o furacão Sandy: uma vez que não são elas a definir a mensagem, nem são elas a conduzir a sua mediatização, interessa-lhes acima de tudo aproveitar a oportunidade para a) aprofundar o seu relacionamento com grupos fundamentais de eleitores que possam ter sido afectados pela intempérie; b) demonstrar no terreno as características de liderança em situação de crise que permitam convencer os indecisos; c) confirmar empiricamente a narrativa genérica — o slogan — com que se apresentaram ao eleitorado. Quando a chuva e o vento pararem, a atenção dos eleitores e dos media vai para a análise das reacções instintivas, sem guião, em cima da hora, dos dois candidatos à Casa Branca.

Nesse sentido, o Presidente Barack Obama tem nesta crise (em teoria) uma melhor “oportunidade” para explorar os argumentos da sua campanha para a reeleição do que o seu adversário republicano Mitt Romney. Em momentos de crise, a tendência americana vai no sentido da reconciliação e da unificação em torno de um projecto comum. Cabe às lideranças políticas o papel de representação dessa aspiração colectiva — estudos realizados à resposta política em situações similares no passado demonstram como é epidérmica a reacção do eleitorado no rescaldo de um desastre natural: por exemplo, quando um Presidente rejeita um pedido de auxílio de um governador, a tendência é para que o primeiro seja punido nas urnas e o segundo recompensado, mesmo se a sua iniciativa se revela eficaz.

Ainda antes do furacão Sandy ter entrado em terra, Barack Obama já tinha garantido ao país que a sua Administração estava preparada para “dar aos governadores tudo aquilo que eles precisarem”. Em contraste, a imprensa americana recuperou declarações de Mitt Romney durante a campanha para as primárias republicanas, em que defendia uma transferência da responsabilidade pela resposta de emergência do nível federal para os estados, por razões orçamentais. Até agora, o candidato não veio esclarecer qual a sua posição sobre o assunto.

Além das incógnitas que a tempestade veio colocar em termos da percepção pública das características intangíveis de empatia ou liderança de cada candidato, o Sandy também introduz um factor de desestabilização das campanhas do ponto de vista organizacional. Nesta fase, trata-se de obter a máxima eficiência da distribuição de recursos (humanos e financeiros) em duas vertentes: as “alegações finais” das campanhas, na forma de anúncios televisivos e outros materiais comunicacionais, e a operação de mobilização do eleitorado (Get Out the Vote ou GOTV).

No que tem a ver com a “publicidade” final da campanha, julgo que é a candidatura republicana que sai mais prejudicada com a interrupção causada pelo furacão. A campanha de Mitt Romney, e os grupos de interesse que lhe estão associados, reuniram uma verdadeira fortuna para inundar os estados decisivos com anúncios. Uma parte desses anúncios poderá nem chegar a ver a luz do dia, por causa do possível conflito da sua mensagem com o espírito do eleitorado pós-catástrofe. E aqueles que chegarem a antena, estarão a competir com a cobertura noticiosa onde Obama é necessariamente protagonista.

Quanto à mobilização para o voto, parece-me que o jogo se decidirá nas vantagens (e para prolongar a forçada metáfora tenística, é Obama que dispõe do melhor serviço). O caminho do Presidente para chegar a 270 votos do Colégio Eleitoral não passa necessariamente por estados afectados pelo furacão, ao contrário de Mitt Romney, que precisa absolutamente de garantir a conquista da Florida (mais poupada à intempérie), da Carolina do Norte e da Virginia, só para nomear aqueles onde as sondagens pendem para o lado do republicano. A maior parte dos estados mais  afectados (Maryland, Nova Jérsia, Nova Iorque, Massachusetts) estão solidamente na coluna de Obama. O argumento de que o Sandy veio eliminar os potenciais ganhos da candidatura democrata nalguns dos swing states com o processo do voto antecipado merece alguma reserva: os comités eleitorais de vários estados (caso da Carolina do Norte ou da Pensilvânia) já fizeram saber que o prazo será alargado.

P.S. Por causa dos diferentes métodos de recolha de dados das várias empresas de sondagens (por exemplo, o facto de poderem ligar para números móveis ou só para telefones fixos), os inquéritos de opinião nos próximos dias deverão dar uma imagem bastante incompleta do estado da corrida nos próximos dias.

Rita Siza

Leituras em atraso

Aproveitando o curto intervalo na actividade dos candidatos presidenciais por causa do furacão Sandy*, aqui ficam algumas sugestões de leitura (atrasadas) sobre o estado das campanhas e da corrida.

– Na revista Time, o sempre bem informado Mark Halperin revela o que a equipa de Obama pensa sobre a sua estratégia e as sua shipóteses (e porque acredita que vai ganhar as eleições). Na Newsweek (via Daily Beast), o veterano consultor democrata Robert Shrum elenca muitos dos mesmos argumentos para chegar à mesma conclusão.

– Na National Review Online, Jim Geraghty recorre aos números para contradizer os democratas e sustentar que o candidato republicano Mitt Romney vai vencer — pelo menos o voto popular.

– No blog da Economist, Democracy in America, faz-se o ponto da situação a dez dias da eleição.

– Na The Atlantic, vários artigos interessantes: Robert Wright escreve sobre os eleitores indecisos e a hipótese de “caírem” para o campo de Mitt Romney; Clive Crook aponta os erros estratégicos na definição da narrativa da campanha de Obama e Garance Franke-Ruta recorda uma entrevista de Romney durante as primárias republicanas sobre o papel do governo federal nas operações de auxílio aos estados em caso de emergência ou desastre natural.

– A BBC Magazine contempla a resistência física que é indispensável para aguentar uma campanha presidencial nos Estados Unidos.

* Bónus: o Politico coloca aqui cinco questões políticas provocadas pelo furacão Sandy.

Rita Siza

O mapa eleitoral duas semanas antes do dia da eleição

Num dos dias mais movimentados da campanha — e rico em desenvolvimentos — aqui fica a voz avisada e experiente de Charlie Cook, um veterano de Washington e das campanhas eleitorais, sobre o mapa eleitoral e os caminhos de cada candidato para a vitória.

O caso do dia de hoje é, sem dúvida, a polémica levantada pelo candidato republicano ao Senado pelo estado do Indiana, Richard Mourdock, com as suas declarações sobre a gravidez pós-violação como um acto divino ou a vontade de Deus, em resposta a uma pergunta sobre o aborto durante um debate televisivo.

Como seria de esperar, o candidato já veio clarificar a sua posição, dizendo ter sido mal-interpretado. Mas ao contrário do que é habitual, Mourdock não “afinou” o seu discurso sobre o aborto, ou a sua convicção de que deve haver nenhuma circunstância (nem a violação, nem o incesto, nem a saúde da mãe) em que esta prática possa ser autorizada. O que o candidato veio agora esclarecer é que não acredita que o acto da violação seja conforme a Deus.

Mourdock é um dos nomes apoiados pelo Tea Party — e também por Mitt Romney, que gravou um anúncio televisivo a apelar ao voto no republicano. A campanha presidencial republicana distanciou-se hoje da posição defendida por Mourdock, mas não retirou o apoio à sua candidatura. Se o fizer nos próximos dias, será sinal da reacção negativa do eleitorado feminino que a campanha de Romney precisa de conquistar.

As eleições americanas em várias línguas

No seu blogue Flying Carpet, Sabine Muscat, correspondente do Financial Times Deutschland em Washington, oferece um panorama dos blogues de jornais estrangeiros sobre as eleições americanas. Ninguém bate os alemães e os franceses em número de blogues, nota Sabine. Mas este vosso blogue também aparece mencionado.

Kathleen Gomes, em Washington

Cavalos e baionetas

O Presidente Barack Obama venceu de forma convincente o terceiro debate televisivo, que teoricamente seria apenas sobre política externa mas acabou por enveredar também pelos temas domésticos já discutidos nos outros dois confrontos.

E esta noite, pertenceram a Obama as frases mais inesquecíveis da noite, especialmente quando contestou o argumento de Mitt Romney sobre o decréscimo do número de navios na frota militar norte-americana em comparação com 1916. “Também temos menos cavalos e baionetas”, notou Obama — e a internet ainda não parou.

Rita Siza

“Esta velha Europa entedia-me” **

Pelo menos dois terços do debate desta noite entre Obama e Romney vão ser dedicados ao Médio Oriente. Por que não vamos ouvir falar de Europa:

A top Republican official put it more bluntly: “I don’t think there are a lot of soft voters who are waiting to hear a position on the Eurozone.” (Politico)

Os “soft voters” a que o republicano acima citado se refere são os eleitores que estão inclinados a votar num dos candidatos, mas ainda podem ser persuadidos a mudar.

** “Cette vieille Europe m’ennuie”. Frase atribuída a Napoleão Bonaparte.

Kathleen Gomes, em Washington

Bruce Springsteen em campanha por Obama

A semana passada, 3500 pessoas esperaram três horas por Bruce Springsteen numa arena desportiva da Iowa State University em Ames, no Iowa. Chovia intensamente e o Boss estava atrasado porque  vinha de Parma, Ohio, a mais de mil quilómetros de distância, onde nesse mesmo dia tinha tocado num comício da campanha de Obama. Obama não esteve no Ohio nem ia estar no Iowa, mas pouca importa. As pessoas estavam ali para ver Bruce Springsteen. Miúdos de bandanas na cabeça, mulheres de meia-idade com t-shirts do Boss, uma seara de bonés de baseball. Quando Bruce Springsteen finalmente chegou, as pessoas levantaram-se das suas cadeiras e ficaram de pé, junto ao palco, sem seguranças nem barreiras. Bruce Springsteen é um homem do povo.

Apesar de ter apoiado publicamente Barack Obama em 2008, e o democrata John Kerry quatro anos antes, o músico tinha dito há uns meses que não iria participar activamente na campanha presidencial deste ano. Obama tem usado uma das canções do seu último álbum, We Take Care Of Our Own, nos seus comícios. Mas a semana passada, Springsteen tocou no Ohio e no Iowa e esta terça-feira vai actuar com a sua E Street Band na Virgínia. Os três lugares têm em comum o facto de serem swing states, estados onde o resultado das eleições é imprevisível (ao contrário de bastiões democratas como a Califórnia ou republicanos como o Texas) e as sondagens mostram a corrida entre Obama e Romney tecnicamente empatada.

Alguns excertos do que o baladeiro da classe trabalhadora americana disse no Iowa, onde o PÚBLICO esteve:

I vote. I’m here because I vote. Voting matters. Elections matter. All you’ve got to do is think of the events of the last 12 years and try to convince yourself that they don’t.
I’m 63 years old. I’ve lived through some galvanizing moments in American history. The civil rights struggle, the peace movement — times when you could feel the world shifting under your feet. And I count as one of those times President Obama’s election night. I always remember that as an evening where you could feel the locked doors of the past being open to new possibilities.
But then — but then — and this is where we are now — then comes the hard, daily struggle to make those possibilities reality in a world that is often brutally resistant to change. We’ve seen that over the past four years and the forces of opposition are truly tireless.
I’m here today because I’ve lived long enough to know that despite those galvanizing moments in history, the future is rarely a tide rushing in. It’s more of a slow march, inch by inch, day after long day. And we’re in the midst of one of those long days right now. And I’m here in Iowa because I believe President Obama feels those days in his bones for the 100% of us.

Um belíssimo perfil de Bruce Springsteen publicado na revista The New Yorker em Julho.

Kathleen Gomes, em Des Moines (Iowa)

E agora para algo completamente diferente

Os americanos gostam que os seus presidentes tenham sentido de humor. Quando perguntamos a Mark Broghammer, um democrata de 68 anos residente em Lisbon, no Iowa, por que é que o republicano Ronald Reagan está no topo da sua lista de melhores presidentes (com Bill Clinton em segundo lugar e Barack Obama em terceiro), ele responde que Reagan “tinha um excelente sentido de humor”.

Segundo um estudo da Comedy Central – a estação de televisão americana que produz os programas de comédia de Jon Stewart e Stephen Colbert – sobre o papel que o humor desempenha nas convicções e atitudes políticas da geração que nasceu depois de 1980, mais de metade destes jovens prefere um político que os faça rir.

Ontem, o Presidente Barack Obama e Mitt Romney foram os comediantes de serviço num jantar de gala em Nova Iorque que se tornou um ritual obrigatório das campanhas presidenciais desde que Kennedy e Nixon foram os primeiros candidatos a comparecer, em 1960: por uma noite, os dois rivais dizem piadas um sobre o outro e sobre si próprios, a poucos metros de distância, enquanto as câmaras de televisão captam o momento.

Um analista político notava ontem na CNN que, como o debate de terça-feira demonstrou, estes são dois homens que não gostam um do outro. Obama e Romney ficaram sentados perto um do outro, apenas com Timothy Dolan, o arcebispo católico de Nova Iorque, a separá-los. (O jantar destinava-se a gerar receitas para instituições de caridade da Igreja Católica americana.)

Os dois cumprimentaram-se no início e raramente olharam um para o outro durante o evento. Mas o jantar pretende ser uma demonstração de civilidade entre adversários políticos e, a apenas 19 dias da eleição presidencial, Obama e Romney fizeram uma trégua no que tem sido uma campanha amarga dominada por ataques dos dois lados.

Durante uma noite, fizeram humor até com questões delicadas que, noutro contexto, teriam preferido evitar. Romney brincou com o facto de ser rico, algo que tem sido explorado pela campanha de Obama para reforçar a percepção que o candidato republicano não entende os problemas que os americanos comuns enfrentam.

Obama troçou do seu desempenho no primeiro debate presidencial, dizendo que estava com muito mais energia no segundo porque tinha dormido uma longa sesta durante o anterior.

Alguns excertos:

“Uma campanha presidencial pode ser extenuante. O Presidente Obama e eu temos a sorte de ter uma pessoa que está sempre do nosso lado, alguém com quem podemos contar, uma presença reconfortante sem a qual não poderíamos aguentar mais um dia. Eu tenho a minha bela mulher Ann. Ele tem Bill Clinton.” (Mitt Romney)

“Tenho de admitir que algumas coisas mudaram desde 2008. Tenho ouvido algumas pessoas dizer: ‘Barack, não és tão novo como costumavas ser. O que é feito daquele sorriso radioso? O que é feito da energia que tinhas na tua forma de andar?’ E eu digo: ‘Acalma-te Joe [Biden], estou a tentar conduzir uma reunião do conselho de ministros.’” (Barack Obama)

“Não costumo sugerir que a imprensa é tendenciosa. Digamos apenas que alguns jornalistas têm uma certa forma de olhar para as coisas. Já vi as primeiras reportagens sobre o jantar desta noite. Título: ‘Católicos apoiam Obama, Romney janta com gente rica’.” (Mitt Romney)

“Por favor sentem-se. Senão o Clint Eastwood vai começar a gritar com as vossas cadeiras.” (Barack Obama)

No mesmo dia, o Presidente Obama também foi o convidado do programa de Jon Stewart. Mas foi uma conversa séria.

Kathleen Gomes, em Des Moines (Iowa)

Ohio

Descaradamente roubada do blogue de David Frum, e com a mesma recomendação deste de que esta é a prova de como o jornalismo narrativo e de formato longo “não pode morrer”, aqui fica um link para a série de reportagens do jornalista Dan Barry sobre Elyria, no Ohio, publicadas no New York Times.

Rita Siza