O furor provocado pelo comentário de Mitt Romney sobre as “pastas cheias de mulheres” a que recorreu para preencher posições de topo no seu governo do estado do Massachusetts é uma distracção da campanha — mas é também uma explicação para as dificuldades de relacionamento do candidato republicano com alguns blocos fundamentais do eleitorado norte-americano. Como alguém sugeria, troque-se a referência às mulheres por afro-americanos ou imigrantes e torna-se evidente qual é o problema de Romney: estes são grupos que lhe são estranhos, que permanecem alheios à sua cultura, que não encontram referências ou pontos de contacto com as suas experiências pessoais.
Romney estava a responder a uma pergunta sobre as dificuldades das mulheres no mercado de trabalho (especificamente sobre o facto de ainda serem remuneradas abaixo dos homens que executam o mesmo trabalho) e para tentar demonstrar a sua atenção e preocupação com essa realidade resolveu evocar um episódio concreto, quando estava a compor o seu gabinete no Governo do Massachusetts. Segundo lembrou, ao constatar que a sua equipa só contava com homens, perguntou se não era possível encontrar mulheres que pudessem desempenhar esses cargos: na resposta, ter-lhe-á sido entregue uma pasta cheia de mulheres (de onde presumivelmente escolheu alguns dos nomes que mais tarde integraram o seu executivo).
Para uma transcrição completa do debate televisivo de terça-feira, clique aqui. Para uma explicação sobre a origem da “pasta cheia de mulheres”, ler isto.
Tratou-se, como às vezes acontece com Romney, de um raciocínio mal articulado: a frase é, retirada do seu contexto, cómica. Em conversa de café portuguesa, corresponderia a qualquer coisa como “entregaram-me uma pasta com resmas de mulheres”, como se se tratasse de um catálogo de noivas por correspondência.
O facto de se ter tornado numa anedota a correr pela internet é um fait-divers. Mas a forma desastrada como Romney se pronunciou pode não ser irrelevante para a campanha: imediatamente, os seus opositores usaram a sua explicação para questionar a genuinidade das suas preocupações com as mulheres (foi um tema que, aliás, exploraram também a propósito da resposta do republicano a uma questão sobre o acessò a armas de fogo, em que relacionou a violência urbana ao facto de existirem demasiadas crianças a ser criadas por mães solteiras e apelou ao casamento).
A prova cabal do potencial prejuízo das palavras de Romney está no spin que a sua campanha já procurou dar à expressão entretanto vulgarizada como uma piada na internet.
A campanha democrática recorreu ao comentário para caricaturar a forma como Romney olha para as mulheres e para pôr em causa as credenciais de Romney como um conhecedor, experiente e bem sucedido homem de negócios — seguramente, nessa condição ele teria tido contacto (ou não) com profissionais de sexo feminino, podendo atestar pela sua competência ou então pela sua dificuldade em ascender ao topo da carreira. O que Romney demonstrou no debate foi que desconhecia ou ignorava esse problema.
A propósito da importância das mulheres para as campanhas, interessante este apanhado publicado hoje na New Yorker. Hoje no Huffington Post, o veterano jornalista Howard Fineman explica que as mulheres eram o público preferencial das campanhas no debate de ontem.
Ver também, aqui, o apelo ao voto de um grupo de conhecidas actrizes de Hollywood, num anúncio televisivo de apoio a Barack Obama destinado ao público feminino.
Rita Siza