Algumas notas do New Hampshire

Mitt Romney obteve uma vitória convincente no New Hampshire. Com 36% dos votos, ultrapassou a sua própria votação em 2008 – e esse é o benchmark para a sua candidatura. Tudo o que fique abaixo dessa linha invisível será tratado como uma derrota. Além de correr contra si próprio, Romney também corria contra os 38% obtidos por John McCain em 2008, e com metade das mesas de voto já declaradas, tinha alcançado esse valor.

A diferença de dez pontos para o segundo lugar de Ron Paul é uma margem “pequena” tendo em conta as expectativas e as estimativas, mas a campanha de Romney não deixará de a encarar como a maior vitória da noite simplesmente porque o segundo classificado foi Ron Paul. É no mínimo desconcertante que um candidato que consistentemente consegue arrecadar um quarto dos votos de uma primária – como Paul – continue a ser menorizado pelo partido e pelos media. Paul continua a ser dado como carta fora do baralho: ontem a Fox News, que tem ignorado a campanha do congressista do Texas, disse que ele tinha as mesmas hipóteses de chegar à Casa Branca que RuPaul, uma conhecida drag queen americana – ao contrário de Jon Huntsman, cuja notoriedade nos últimos dias de campanha começou verdadeiramente a incomodar a equipa de Romney. O segundo lugar de Ron Paul não altera a história destas primárias, enquanto um segundo lugar de Huntsman obrigaria a reescrever a narrativa.

No entanto, a votação de Huntsman não desqualificou a sua candidatura nem comprometeu seriamente as suas pretensões. O antigo governador do Utah segue para a Carolina d Sul, e para quem gosta de especulações, essa decisão é interpretada como uma prova do interesse e a ambição de Huntsman em tornar-se um candidato viável nas eleições de 2016.

Olhando para além do resultado da corrida, os números do escrutínio de ontem no New Hampshire oferece algumas notas de interesse:

– O total de eleitores que participaram na primária (estimado em cerca de 185 mil) ficou bastante abaixo do registado em 2008 (240 mil), o que sugere que a base republicana está bem menos motivada/entusiasmada do que há quatro anos e que a base democrata está disposta a sair em defesa de Obama (sem opositor democrata, o Presidente venceu a eleição com mais de 80% dos votos).
– Num eleitorado tripartido em parcelas idênticas de republicanos, democratas e independentes, Mitt Romney conquista os votos dos republicanos, Ron Paul assegura os independentes e Jon Huntsman é preferido pelos democratas.
– Os eleitores com menos de 30 anos preferem claramente Ron Paul (48%) a Mitt Romney (23%). E a faixa mais velha foi a que votou em New Gingrich. O governador do Massachusetts domina apenas na faixa dos baby boomers
– O eleitorado de Jon Huntsman: aqueles que se identificam como “fortes opositores” do Tea Party; que admitem estar “satisfeitos” com o desemenho de Obama na Casa Branca e que acreditam que o mais importante num candidato é ter uma “boa experiência” de vida.
– Traduzida em delegados, a liderança de Mitt Romney torna-se um pouco mais pálida. O primeiro classificado deverá recolher quatro delegados, enquanto Ron Paul e Jon Huntsman arrecadam três cada um e Newt Gingrich e Rick Santorum um cada um.
– As sondagens de boca de urna revelaram ZERO eleitores afro-americanos na primária republicana.

O que os discursos da noite revelaram acerca dos candidatos e do estado da corrida:

Mitt Romney está convicto da sua invencibilidade. O seu discurso foi totalmente contra Obama. Mas a pirueta retórica das primárias pode revelar-se difícil de inverter na eleição geral. Romney renegou todo o seu legado político e lançou a dúvida sobre o seu estatuto de moderado, prometendo inverter toda e qualquer decisão ou iniciativa da Administração de Barack Obama, nomeadamente a reforma do funcionamento do sistema de saúde (inspirada no modelo que Romney lançou no Massachusetts), toda a diplomacia com antigos inimigos e aliados ou as propostas fiscais e orçamentais.
A linguagem que Romney adoptou ontem à noite foi, como dizem os americanos, “vintage Reagan”, mas o mundo mudou – a Guerra Fria acabou há mais de 20 anos. O veterano repórter politico Howard Fineman reparou que o discurso de vitória de Romney no New Hampshire foi o mais assertivo da sua campanha até agora, e também o mais negativo. Pura bílis contra Obama, o que sugere que está em preparação uma batalha sem tréguas para Novembro.

O Partido Republicano continua a ignorar Ron Paul por sua conta e risco. O candidato libertário não se deixa impressionar com a adesão à sua campanha e insiste na defesa dos seus princípios simultaneamente radicais e populistas. “Nós somos a maior ameaça ao status quo” reclama Ron Paul.

E a última nota de interesse da noite eleitoral do New Hampshire foi o comentário da ex-governadora do Alasca e última candidata republicana à vice-presidência, Sarah Palin. Olhando os resultados, a actual comentadora da Fox News desvalorizou a vitória de Mitt Romney, considerando que a sua votação não altera em nada o curso da corrida. Mas Palin não escondeu a sua surpresa (positiva) com os números de Ron Paul. “Acho que ele vai mudar o debate nos próximos dias”, vaticinou.

P.S. O duelo Newt Gingrich v. Rick Santorum pelo quatro lugar e a economia como a principal preocupação/motivação para os eleitores do New Hampshire serão analisados oportunamente.

Rita Siza

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