TRANSNÍSTRIA: Mergulhar num país que… não existe

A paisagem parece como que a embrutecer. E as cores a desfalecer. Reduzir a velocidade. Passar o primeiro controlo. O segundo. E parar ao terceiro. “Siga-me”, dizem-me olhos crus, em tom austero.

Estamos num lugar bizarro, estanho. Uma fronteira que não sei se o chega a ser. Moldávia e Transnístria, um território que teima em ser independente, mas que ninguém reconhece. Porém, persiste – e consegue viver – no seu micromundo. Com um estilo de vida dúbio que escapa ao controlo internacional.

Em russo, que sabe eu não compreender, dá-me indicações do que devo fazer. Ouço-o com expressão inamovível. No fim, serenamente, atiro-lhe um sereno “Do you speak english?”. Ele é previsível na atitude. Eu ensaio passos de dança que o surpreendem.

Fonte: Wikipedia

Fonte: Wikipedia

A fronteira está pejada de soldados russos. É o contingente que ajuda a manter esta teimosia, numa região fértil em conflitos ao longo da história. A independência, unilateral, foi decretada em 1990, com a ajuda de contingente russo. Que aqui permanece. A União Soviética desagregou-se e a Moldávia, uma das suas ex-repúblicas, tornou-se independente. Os fiéis a Moscovo protegeram os seus interesses do outro lado do rio Dniestre (Transnístria – para lá do Dniestre). E o amigo soviético aqui continua presente, ajudando a manter esta inexistência que ninguém reconhece internacionalmente como país. Nem a nação liderada por Vladimir Putin o assume.

O agente dá-me tanta papelada que me baralha. É taxa de entrada. É um novo seguro do carro. É outro pagamento que continuo sem entender muito bem para o que é. E um pequeno assalto no câmbio que sou obrigado a fazer para pagar na moeda local: o rublo da Transnístria. Na verdade, é um câmbio que nada tem a ver com a realidade. Ninguém o definiu internacionalmente e ninguém o controla. Fora do país, vale zero. Nada.

Quer saber quem somos e o que vamos fazer a Tiraspol, a pretensa ‘capital’. Digo-lhe que somos três professores em viagem de trabalho a Chisinau e que aproveitamos dois dias de folga para conhecer melhor a região. A desnecessária verdade – jornalista, profissão que sou obrigado a omitir em muitos lugares do planeta – provavelmente traria sarilhos adicionais e não me permitiria atingir o objetivo.

Volto ao carro para pegar em documentos, enquanto Sandra e Daniel me esperam. Estou demorado. Perguntam-me se está tudo bem. Aceno afirmativamente. Prometo voltar em breve. Afinal, vamos estar no ‘país’ menos de 10 horas, o que, alegadamente, simplifica imenso a questão. “É menos papelada”, tranquiliza-me o meu interlocutor. Imagino se assim não fosse…

Agora o tom do agente é mais suave. Até colaborativo. Supostamente ajuda. Recolhe o dinheiro e troca umas palavras em russo com os funcionários alfandegários. O troco em cada um dos guichets em que entrego papelada não vem. Não é muito, mas insisto em recebê-lo. Digo-lhe isso. Percebo, pelo tom da conversa entre os intervenientes, que não devo esperar recebê-lo.  Após alguma insistência, acabo por ser bem-sucedido num lado. Não no outro. Em inglês, digo três vezes à agente que tenho ainda a receber “XX”, mas esta, que anteriormente já tinha balbuciado umas palavras em perfeita língua de Shakespeare, agora age como se não entendesse uma única palavra. Ela percebe que eu estou ciente da situação. Evita cruzar o olhar com o meu.

Quando tudo está pronto, peço o carimbo do ‘país’. “Vai ficar bem no passaporte”, sorrio. O ‘tradutor’ diz que tem de ser outro agente. Mais tarde, quando apresento, pela última vez, os documentos, insisto no pedido. Dizem-me, algo embaraçados, que não há. “Então como é que um país não tem carimbo?? Ou o válido é o da Moldávia?”, provoco, apontando para o pequeno retângulo impresso no passaporte. Fico sem resposta. Atalho caminho.

Fora das instalações-contentor, novas perguntas. Desta vez alguém que traduz as questões de mais um mau-feitio. Na verdade, nunca entendi esta postura, tão típica em alguns países de Leste inspirados pela Rússia.

Entretanto, no meio desta insanidade, um corredor em marcha triunfal sem que ninguém pestaneje à sua passagem. Como se fosse invisível. Reencontro-o em Tiraspol. É turista…

Dois carros com matrícula da Moldávia desistem à porta do primeiro controlo. Lentamente, dão meia-volta e desaparecem no horizonte. Os ‘compatriotas’ da Transnístria avançam sem problemas de maior, mas outras ‘placas’ motivam um insistente e cuidado farejar das autoridades.

O Conselho da Europa analisa a questão da Transnístria como um ‘conflito congelado’. Alheia ao tráfico de pessoas, armas e droga, com a proteção divina de militares russos. Kolbasna deve ser um dos maiores arsenais de armamento convencional do planeta. Ninguém liga. Mesmo que não haja qualquer controlo neste negócio de morte.

Os nativos chamam ao país República Moldava da Pridnestróvia (Pridnestróvskaia Moldávskaia Respúblika), não aceitando o termo ‘Transnístria’ por o considerarem… romeno.

Vou entrar em território que emite o seu próprio dinheiro, tem o seu parlamento, polícia e exército (russo). O russo sé a língua oficial. Igor Smirnov foi quem deu a cara pela independência. Ele e a família controlam o país. A marca Sheriff está por todo o lado. Como facilmente comprovaremos. Gasolina. Supermercados. Desporto. Açambarcou todos os negócios privados. Tem o monopólio em várias áreas e mantém o apoio presidencial. Um dos filhos de Smirnov é quem controla a empresa. Em surdina que todos conhecem.

Finalmente, autorizados a entrar em Pridnestróvia. É hora de explorar a exótica Transnístria…

Rui Bar­bosa Batista relata no blo­gue Cor­rer Mundo a sua invulgar aven­tura por Palma de Maiorca, Roménia, Moldávia, Itália e São Marino. No site www.bornfreee.com pode ace­der a outros rela­tos e ima­gens sobre a viagem.

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