Michelangelo Merisi “Caravaggio” (nome da aldeia natal da sua família, que acabou ‘escolhido’ como seu nome artístico). O pintor milanês mestre do barroco (1571-1610) tornou-se imortal pela sua obra que em Malta teve o seu ex-líbris com “A decapitação de São João Batista”.
Porque o relembro? Porque é aqui, em Malta, perante a sua obra magistral, que me interesso pela sua história.
Nunca conhecido por ser um santo, antes alguém com temperamento… ‘difícil’, o artista, em fuga de Nápoles, onde tinha cometido um assassinato, chegou, ainda assim, a La Valetta com honras – ‘recomendado’ pelo Papa, para quem pintou temas religiosos. Contudo, a sua natureza ‘irrascível’ prevaleceu e não tardou a perder a aura protetora, ser encarcerado e, posteriormente, conseguir fugir. Diz-se que seduziu um dos seus carcereiros…
As emoções de uma vida de orgias e bacanais descontrolados, repletos de drogas e insultas, são traduzidas na sua obra (ainda assim, essencialmente religiosa) que desafia os grandes mestres da elitista Ordem de Malta, nomeadamente com os descarados corpos de soldados e prostitutas em fundos negros. Crianças de rua, mendigos, pescadores ou comerciantes também inspiraram Caravaggio, que procurava a realidade palpável e concreta da representação, sem preocupações estéticas.
A peste que lhe levou o pai aos seis anos fê-lo crescer agressivo. Disputas, lutas e agressões eram o seu dia-a-dia. Uma vida de boémio diluía as suas economias e levava-o a constantes farras e consequentes problemas com as autoridades. Durante séculos se lhe atribuem distúrbios de personalidade, que também ajudarão a explicar o seu gosto pelo sórdido, pela violência, pelo chocante e o atroz. Cabeças decapitadas, sangue a jorrar, armas que brilham nas trevas…
Não casou, nem deixou descendência. E viveu no meio dos seus modelos… prostitutas e bandidos, que retratou como virgens e santos). Tabernas, álcool e banquetes. Um homem de excessos. A corte Papal foi o meio de subsistência: libertava-o da miséria económica e das múltiplas complicações legais fruto das alhadas em que se metia.
“Após vários anos de trabalho, Caravaggio andou de cidade em cidade servindo vários senhores importantes. É um trabalhador incansável, porém orgulhoso, teimoso e sempre disposto a participar em discussões e a envolver-se em brigas, o que torna difícil conviver com ele. Passou a envolver-se em brigas, fazer ameaças e insultos em comércios, quebrando pratos em restaurantes e ferindo seus adversários com faca ou espada”, escreveu o holandês Van Dijk, seu contemporâneo e também pintor.
Após uma carreira de pouco mais de uma década, Caravaggio morreu em circunstâncias desconhecidas, em julho de 1610, aos 38 anos. O seu corpo permaneceu em local desconhecido por séculos.
Somente a 16 de junho de 2010, uma equipa de cientistas e universitários italianos do “Comitê Caravaggio” anunciou a identificação dos restos mortais do pintor, graças a análises de ADN e de carbono 14 num pequeno cemitério na Toscana. A probabilidade de certeza desta descoberta, divulgada pelos pesquisadores, é de 85 por cento.
E é na impressionante catedral de São João onde o seu trabalho pode ser admirado (ver horários, pois são irregulares e ao domingo está fechada).
O ‘pintor maldito’, que revolucionou completamente o uso da luz na pintura, tinha um dom: um homem muito violento, que se metia em grandes lutas, mas que, simultaneamente, nos seus quadros, mostra extrema sensibilidade, retratada em todos os pormenores.
A curiosidade de a maioria dos seus quadros terem sido rejeitados pelas congregações religiosas que os encomendaram. Porquê? Por serem escabrosos e indecentes. Politicamente incorreto na sua obra, diversas vezes teve de fazer uma segunda versão, mais “púdica”.
Viveu em tormento e foi controverso (esqueci de referenciar que os personagens religiosos eram demasiado… humanos, com rostos e pés dos personagens sujos, como os das pessoas comuns). Como ainda o é. Mas, mais do que isso, nada como visitar a sua herança, espalhada pelo Mundo. Malta é um dos lugares privilegiados para o fazer. Mais um atrativo para explorar este país.
Rui Barbosa Batista relata no blogue Correr Mundo a sua aventura por Malta. No site www.bornfreee.com pode aceder a outros relatos e imagens sobre a viagem.