Eis-me de volta a um dos lugares que sempre sonhei regressar. Só quem já teve o privilégio de deambular por esta natureza deslumbrante pode entender a impossibilidade de a esquecer. A inevitabilidade do desejo de explorar novamente cada recanto deste fascinante parque. Que não para de me tirar o fôlego…
São 63.000 hectares de puro prazer, a uns 12 quilómetros a oeste de Ushuaia, embora apenas uns 2.000 hectares estejam abertos ao público. Que, diga-se, parece respeitar, escrupulosamente, as necessidades da natureza.
O Tren del Fin del Mundo é a forma de muitos visitarem o parque, mas este meio não tem comando para os desejados ‘pause’, ‘play’, ‘rewind’… que nos vão apetecer a todo o instante. Tudo fica muito efémero… apesar da interessante paragem em cascata onde o visitante fica a conhecer melhor o povo indígena Yamana, que os colonos foram dizimando. Esta experiência decorre na parte final da linha que ligava a prisão de Ushuaia aos campos de trabalho situados na zona que hoje alberga o parque, criado em 1960 para proteger restos arqueológicos dos nativos. Aqui, os reclusos cortavam madeira que o comboio transportava para a cidade, destinada à construção de edifícios e para alimentar o calor, indispensável à sobrevivência humana durante boa parte do ano.
Guanacos, raposas vermelhas, castores (foram introduzidos 25 pares no parque e hoje estima-se que serão 70 mil exemplares), coelhos… e tantos tipos de aves que seria lotaria adivinhar-lhes o nome. Orquídeas, violetas e outras incontáveis floridas consortes. Miradouros para lagos, vales congelados, costa marítima virgem e exóticas florestas. Tudo isto se pode encontrar no único parque argentino que beija o mar.
Os amantes do trekking têm várias opções de trilhos e só encontrarão semelhanças estéticas da arrebatadora natureza na vizinha Patagónia. Da minha experiência, acrescento-lhe a Nova Zelândia. Nestas paragens estão alguns dos melhores trilhos deste e doutros universos.
No PN Terra do Fogo também nos podemos aventurar em desafiantes experiências de caiaque, em incursões nas cristalinas e serenas águas da baía de Lapataia. Ou em ‘ofensivas’ no Canal Beagle, onde podemos protagonizar encontros memoráveis com lobos-marinhos, pinguins, albatrozes, patos austrais, mergulhões, corvos-marinhos…
Na Baía Enseada apreciamos a beleza majestosa das ilhas Redonda e Estorbo, opostas a altivas montanhas. Temos ainda as lagoas verde e a negra, que podemos tornear em recompensadoras caminhadas.
Os 17.848 quilómetros do Alasca até ao Fim do Mundo terminam precisamente aqui, na Baía de Lapataia. A 3.063 quilómetros de Buenos Aires. É o fim da ‘ruta 3’, que vem serpenteando ao longo da costa do Continente.
Não muito longe, temos o ‘Correo del Fin Del Mundo’, que, como o nome sugere, é o serviço postal mais austral do planeta. Daqui é possível enviar um postal, bem como carimbar o passaporte, numa marca que atesta a nossa presença por estas terras remotas. A fila de interessados logo me desmobilizou de um e outro potencial desejo.
Melhor do que ler é mesmo começar a preparar uma viagem a um dos mais excitantes destinos do planeta. E, uma vez no Fim do Mundo, delongar-se intemporalmente neste Parque Nacional da Terra do Fogo.
Rui Barbosa Batista relata no blogue Correr Mundo a sua aventura pela Argentina e Uruguai. No site www.bornfreee.com pode aceder a outros relatos e imagens sobre a viagem.