Há uma melodia que flutua na noite. A quente brisa traz idílico som humano, que se vai gentilmente propagando na nossa direção. Ganha nitidez na escuridão, cortada por tonalidades de opacos dourados e laranjas.
Avistamos Khaju. Uma das pontes históricas de Isfahan. Pessoas juntam-se espontaneamente. Recitam poesia e cantam melodias populares. Os solistas vão alternando. Novos e velhos. Predominantemente homens. É um espetáculo que desejamos não ter fim.
É assim desde sempre. Uma tradição que tem perdurado pelo tempo, resistindo a toda e qualquer vicissitude social. Quando vi estes momentos retratados em revistas de viagens, imaginei-o um ato adulterado pelo turismo, mas o grupo Bornfreee.com é o único ‘ser’ estranho no postal. Apetece desligar do Mundo e fazer destes instantes a eternidade. Partilha. Comunidade. Arte. Pontes com o ‘outro’. Tudo embrulhado em cenário de ficção.
Caminhar pelas pontes histórias de Isfahan é um privilégio que a partir do pôr-do-sol tem outra carga. Poética. Ajuda a esquecer o desapontamento pelo facto de já não correr água sob estes monumentos. A difícil questão de gestão dos recursos hídricos em terreno desértico mudou a face do rio Zayandeh. Tem várias represas a montante para abastecer outras localidades. O que os postais mostram, já não é possível testemunhar. Até quando?
As pontes históricas são 11 e, muito provavelmente a mais bonita é a que me faz lembrar um xilofone: Si-o-seh pol. Mais uma que vai muito além da sua função. Não liga apenas margens da que muitos consideram – provavelmente, merecidamente – a mais bela cidade da Pérsia. Esta, destaca-se pelos seus 33 arcos (de ambos os lados da ponte) e por ser a maior, com quase 300 metros. É seguramente o melhor dos exemplos da arquitetura da dinastia Safavid, que há quatro séculos mudou a Pérsia.
Tal como a Khaju, que no meio tem forma octagonal, pensada para contemplação da paisagem, esta combina utilidade (no passado, também serviu de represa), beleza e recreação, pois este é igualmente um local de encontro dos locais. Dos melhores sítios para intercâmbio cultural. No verão abrasador, o seu nível inferior é apetecível abrigo em sombra com vistas privilegiadas.
As ‘chaikhanehs’ (casas de chá) na base das pontes aguardam por melhores dias, com o regresso das águas ao Zayandeh. Certamente, o cenário será ainda mais completo, mas nós não quisemos esperar…
Rui Barbosa Batista relata no blogue Correr Mundo a sua aventura pelo Irão. No site www.bornfreee.com pode aceder a outros relatos e imagens sobre a viagem.