Foi precisamente apenas alguns dias depois de me terem avisado: tu não fiques perdida no meio do Cairo. Perdi-me logo.
Vagueei pelas estreitas ruelas do mercado Khan El-Khalili, bem no coração da cidade, e, no final, já prestes a tentar voltar para o hotel, um homem vem ter comigo.
– Taxi? Taxi? Follow me!
Aos meus olhos, naquele momento, o potencial taxista egipcío parecia-me um gigante (e era grande, teria uns dois metros e pouco) e com ar de mau. Levou-me até outro homem (bem mais pequeno, por sinal) e estendeu a mão, como que à espera de uma recompensa. Dei-lhe um passou-bem, agradeci com um sorriso e meti-me dentro do táxi. O mais pequeno pergunta-me o nome do hotel e arranca logo de seguida. A viagem deveria ter demorado perto de trinta minutos, mas quando dei conta, já tinham passado mais de noventa.
– Desculpe, mas saberá mesmo o caminho certo para o hotel? – perguntei no meu melhor e mais delicado inglês.
– Yes, yes, no problem, no problem – garante-me.
Olho para o lado e vejo a mítica “Cidade dos Mortos”, uma necrópole habitada por milhares de pessoas, onde mortos e vivos partilham o mesmo tecto. Horas depois de me terem avisado: aconteça o que acontecer, não te deixes levar para perto da “cidade dos mortos”. Mas lá me deixei levar.
O egípcio que suava e fumava, fumava e suava, desviava-se dos outros carros como se o seu fosse de ouro. De repente, sem qualquer aviso prévio, o carro desliga-se. Olho para trás e vejo um camião a vir na nossa direcção. E o carro não pegava. E o camião continuava. No último instante, o carro volta à vida e arrancámos em alta velocidade.
Por fim (e com alguns cabelos brancos a mais), chegaria sã e salva ao hotel. Sempre sem parar de pensar num dos poucos avisos que me deram antes de viajar: tu vê lá não morras no Cairo.
E não morri.
(texto e ilustração de Sara Dias Fonseca)