Os últimos minutos do voo que me levava a Skopje são verdadeiramente deslumbrantes. Raramente vi paisagens assim nas imensas vezes que tive o privilégio de voar.
Vales em dispersa paleta de verdes, montanhas abruptas com os cumes em neve, lagos de um azul viciante, rios bem delineados, pequenas povoações… Tudo a desfilar suavemente sob o meu ávido olhar. Queria meter a cabeça de fora… Poder saltar, voar…
O sol imperava e o relevo acalmou quando nos aproximamos de terra.
A simpatia das meninas da Wizzair e um aeroporto a cheirar a novo. Apenas o nosso avião a dar movimento à infraestrutura. O seguinte demoraria quase duas horas a aterrar.
Ainda em Itália, ao entrar para o avião, conhecimento de circunstância. Uma jovem não europeia que estuda em Espanha e anda a explorar o Velho Continente.
“Já conheço os principais países do centro da Europa, mas quero ir para os menos conhecidos ou turísticos”, explica. Entendo-a bem.
Ao contrário de mim, com o tempo contado, não está presa a um programa rígido. A conversa flui e os interesses convergem em tal harmonia que decidimos fazer parte da viagem juntos.
No aeroporto, no controlo de passaporte, saltamos duas vezes de fila, até uma destinada aos cidadãos da União Europeia, Estados Unidos, China e “outros”. Cedo a passagem a jovem.
Avança, mas mandam-na esperar cinco minutes, retendo o seu passaporte. Não me demoram mais de 20 segundos e sigo. Junto-me a ela. Minutos depois, um polícia cinquentão, pancudo e com ar de ganster, surge autoritário, mete-lhe o passaporte na mão e diz, em tom ameaçador: “Tem de voltar para Bergamo! Com este passaporte e esse documento de residência no espaço Schengen não pode entrar na Macedónia”.
Surpresa, a minha nova amiga atira: “Mas da minha embaixada disseram que sim, que podia. No Wikipédia diz o mesmo. Só a vossa embaixada não me respondeu…”.
“Não quero saber. Volta para Bergamo ou para Itália. Tem voo hoje para Roma ou fica no aeroporto ate quarta-feira. Você decide”, insistiu, com ar cada vez menos cordial.
O filme que se seguiu não foi bonito. Pediu para ligar à sua embaixada. Confirmaram a sua razão, mas não se prontificaram a ajudar. Que os convencesse explicando a lei. Claro, uma jovem turista a ensinar a missa a uma polícia obtusa e nada conversadora.
Ainda tenta uma solução de compromisso, voar para um país vizinho, para ficar na região, mas a polícia foi inflexível.
Para uma última tentativa de convencer o chefe das autoridades – mediante conselho da funcionária responsável pelas reservas dos impedidos de entrar no país – esperamos mais de duas horas. Apenas para ser mais humilhada.
Vinte anos com aparência ainda mais jovem. Um ar frágil, embora determinado. E a ser tratada como se fosse o mais perigoso dos criminosos.
É pressionada uma e outra vez a seguir no mesmo dia para Roma. Garantem que os próximos dias ali não serão fáceis, sem sair do aeroporto. Vêm três pessoas diferentes convence-la. Cada um com ar menos amigo do que o outro.
A revolta (mútua) interior é difícil de explicar. Faço os possíveis por interceder, questionam-me quem sou. Digo que somos grandes amigos e viajamos juntos pela Europa. Aconselham-me a ficar no meu canto.
Vou com a jovem e uma responsável das autoridades tratar do voo. Só aceitam dinheiro em moeda Macedónia. Cerca de 150 euros para Roma. Estou prevenido e adianto a verba. Não precisa dizer-me que me vai restituir o dinheiro.
Ainda faltam quatro horas para o voo, mas tem de voltar para a zona “protegida”. Sigo-a, conforto-a, mas sou impedido de prosseguir. Estou já fora da zona reservada que não deveria ter abandonado.
As suas lágrimas e abraço que não me quer largar deixam-me destroçado. E com a certeza de que nos encontraremos em dias.
Sossego-a, faço-a sorrir… Digo-lhe que ainda teremos um belo jantar com o por do sol e o mar como testemunhas. Mantemos o olhar até que desaparece de vez.
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Rui Barbosa Batista relata no blogue Correr Mundo a sua viagem por Itália, Macedónia, Kosovo, Albânia e Grécia. No site www.bornfreee.com pode aceder a outros relatos e imagens sobre a viagem.