Frio

Faz exactamente 2 meses que cheguei a Gent.

Muito aconteceu entretanto, desde quase não ter um sítio para viver, a não conseguir arranjar trabalho, mas lentamente tudo se vai resolvendo e acabo sempre por recordar que se sobrevivi ao Laos, e a tantas outras peripécias, certamente irei sobreviver a esta cidade no meio da Bélgica.

No entanto sinto cada vez mais o quanto difícil é aproximar-me da “gente” de cá. Não quero com isto dizer que as pessoas são antipáticas, ou que tenho sido mal tratado. Muito pelo contrário. Sinto que toda a gente está disponível para ajudar, e são raras as pessoas que não o fazem. Por outro lado vejo um país perdido na Europa e aí sinto saudades dos países perdidos no meio da Ásia. Falta-nos muito algo importante que é o medo de comunicar com estranhos mesmo sem falarmos a mesma língua. Sentimos medo e um desconforto que cresce com as palavras que se tentam trocar, enquanto tudo o que é preciso é apenas um sorriso e alguns gestos.

Volto a coisas como arroz frito com vegetais, ou uso secretamente nas costas a minha mochila, enquanto conduzo a bicicleta pelas ruas de Gent. Sinto saudades de viajar, e elas crescem cada vez mais comigo. Muito mais do que alguma vez posso imaginar e tudo graças a uma rapariga chamada Sarah, que conheci exactamente há um ano atrás.

O que me surpreende por fim aqui neste país, são por fim as pessoas. Frias, e sabendo sempre que raramente expressam sentimentos, ou até mesmo soltam um elogio. Quando o fazem deixam-me sem reacção. Recordo há dias ter dito a uma amiga com quem apenas saí 3 ou 4 vezes, seguindo o dia 1 de Abril (dia das mentiras), que iria partir em breve e que iria sair de Gent para viajar novamente. Não me recordo de vez alguma ter visto emoções intensas ou até mesmo algum afecto por parte dela. Desta vez vi lágrimas, e muitas emoções que não consegui medir ou perceber. Vi um abraço no meio de uma conversa e vi um olhar meigo que me fez sorrir.

Sinto-me um pouco confuso com certas coisas que acontecem por cá. Talvez seja eu que mudei. Talvez seja eu um cidadão do mundo que nunca irá estar quieto num local só. Talvez há um ano atrás tenha finalmente percebido algo muito simples. No fim tenho em mim todos os sonhos do mundo, mas ainda muitos autocarros por apanhar.

5 comentários a Frio

  1. ainda agora comecei a acompanhar este blog, mas partilho da opinião que uma pessoa sobrevive muito mais facilmente em África ou na Ásia, no meio de ratos ou sem nada para comer,do que perdidos numa capital (ou outra cidade desenvolvida) da Europa.
    Fui “recambiada” para Bucareste e esta está sem dúvida a ser a prova de sobrevivência mais forte que estou a ter… falta o calor humano, o sorriso fácil, a facilidade de se viver onde existe pouco. Quem nada tem tudo nos dá.
    Boa sorte aí e vou ler os posts mais antigos :)

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  2. Olá Filipe,

    há uns tempos li um post teu acerca do quão maravilhosa Gent é (e é verdade) e onde dizias que lá querias ficar para sempre. Duvidei logo de que se fosse concretizar. Vivi em Gent 3 anos e meio e é, de facto, uma das cidades mais especiais da Europa. No entanto, diga-se em abono da verdade, nada que se compare a Lisboa ou, mesmo, a Portugal (e olha que sou uma grande fã de Gent). Regressei a Portugal em Out’10, depois de quatro anos na Bélgica. Tive vários empregos, integrei-me bem na sociedade belga (ou flamenga) e atingi um nível bastante alto em pouco tempo do neerlandês (língua que adoro!).Neste momento, estou desempregada aqui em Portugal e confesso que tenho receio de ter de voltar para aí, por falta de alternativas aqui. Adorei a minha experiência na Bélgica, não me arrependo nada de ter estado aí, mas Portugal é o melhor país da Europa para viver! Por isso, não consigo acreditar que tenhas, por muito tempo, vontade de aí ficar “para sempre” (é muito tempo!). Já agora, os belgas são um povo porreiro e não os considero “frios.” Nós os portugueses tb o somos, por vezes. Boa sorte e acho que deves continuar a viajar!

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  3. Não vou dizer que li tudo sobre o Filipe neste blog, o viajante pelo Mundo! Mas parei nesta descrição que faz da Bélgica,e sobretudo Gent…. isto para lhe dizer na Europa,que era suposto estar mais humanizada, é mentira!!! Será na Ásia, ou África, que os afectos são mais verdadeiros e sentidos…povo pouco ou nada tem, mas o seu sorriso, e a procura constante pela sobrevivência, dizem muito mais certamente!!Filipe, aqui sabe que fala a experiência, e até idade, como muitas vezes lhe tenho descrito!Com a sua idade,uma família, e vida considerada establizada, sempre achei teria muitos obstáculos para ultrapassar! Hoje e quase a fazer a bonita” idade de 60 anos” não tenho dúvidas!Fazer uma pausa, ou seja um balanço do que fiz, e do que falta fazer…. para além de ter criado como sabe, duas criaturas…boas,sensíveis,honestas,trabalhadoras,e amigos dos seus amigos são é o meu orgulho!!Mas não chega… Eu!como preparo o meu futuro, daqui para a frente,com a dignidade e tranquilidade julgo merecer!!Agora o que tenho para lhe dizer, como se um dos meus filhos fosse!Procure continuar a ser viajante Mundo! Consciente,e sem correr risco,e quem sabe começar a preparar o futuro!Desejo uma boa Páscoa!

    Um Bj.

    Ana

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    • Querida Ana. Concordo perfeitamente consigo e acho que nós os Europeus nos perdemos algures no que toca a sermos humanos. Senti-me mais uma vez tocado pelas suas palavras. Durante todos estes meses em que acompanhou as minhas viagens, foi sempre fantástico ler os seus comentários e admito que me aqueceram sempre um pouco o coração.
      Preparar o futuro é algo que tenho em mente, mas por vezes quando viajamos à volta do mundo é complicado parar. Nunca pensei nisso, até porque antes raras eram as vezes que que pensei sair da minha zona de conforto.
      Nada é o que esperamos e dou graças a isso. Quero um dia poder dizer o mesmo que acabou de dizer aqui, e dizer que tenho duas criaturas fantásticas que consegui criar. Penso que faz parte da vida, e espero também um dia poder-lhes ensinar tudo o que vi e tudo o que aprendi enquanto viajei.
      Mas conhecendo-me como me conheço, nunca irei parar de viajar. Irei conhecer muitos mundos e gentes, e irei ter sempre muitas histórias para contar, seja aqui ou noutro lugar.

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      • Filipe, feliz e grata com o seu comentário! Ontem dia Páscoa, e estando a tomar o meu pequeno almoço, muito tranquila e como sabe, tenho um filho em São Paulo,estava ver canal do Brasil.
        Eis vejo um repórter bem conhecido, tinha dado a volta ao Mundo, em 80 dias! A primeira viagem! Gent e Brugs correcto! Esbocei um sorriso…estava triste ou nostálgica, talvez por estar só!E dizendo a mim mesmo,nunca me sinto só!Uma forma simpática e optimista, adoptei para lidar com as minhas situações! Depois Paris, cidade que adoro…. mas muito triste e trás muitas mágoas!
        Voltando ás suas viagens… estarei sempre atenta…concordando só nos poderemos sentir felizes, fazendo nos vai na (alma)! Não vale a pena contrariar…mais tarde ou mais cedo, somos nós que nos penalizamos, algo não fizemos e deveriamos ter feito creia!! Continue com moderação, atitude…ame o ser humano…flores… animais… rios… lagos…mar…montanhas, tudo!…Sou uma Ana diferente!!amou tudo…e continua amar, o que me alimenta e faz sentir viva e feliz!

        Até um dia deste!

        Bjs.

        Ana

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