O início

24 anos, feitos há uma semana. Um curso acabado faz três meses, alia-se à necessidade de tirar um tempo para mim e para perceber o que fazer deste ano, da carreira, dos estudos, enfim, da Vida em geral. É curioso como nos falta ainda a mentalidade, tão comum nos Estados Unidos como em qualquer país da Europa Central, do gap gear, o “take a year off to see the world”, enfim, um luxo, claro, e que em Portugal é olhado especialmente de lado. No meu caso, não será um ano sequer – não poupei o suficiente para isso, nem teria apoio familiar para uma escapada desse calibre – mas dois meses e uma semana.

Tudo surgiu quando um amigo, o Pedro, decidiu ir para Buenos Aires em intercâmbio durante um ano lectivo, e me contou os planos de férias de verão na América do Sul, antes do início das aulas, em finais de Março. Mostrei-me interessada em alinhar na viagem, e a combinação ficou assim, “semi-assente”, até que começou a ganhar forma, cerca de Outubro passado, quando comprámos os bilhetes de avião. Foi, é impossível negá-lo, um risco, um mergulho de cabeça numa viagem com um amigo recente, mas com quem partilhei intensos meses de trabalho associativo e que, fruto de valores, experiências partilhadas, e do seu próprio feitio, deu origem a uma amizade peculiar. E uma terceira pessoa, que não conhecia, o Ricardo, amigo e companheiro de casa do Pedro em Buenos Aires. Arrisquei. Era uma oportunidade única, em termos de timing e do percurso em si – não a faria sozinha, e não queria adiá-la mais. Procurando, quiçá, uma viagem de busca pessoal que dê eventualmente origem a uma epifania ou apenas algumas respostas, mas encarada sobretudo como mais uma etapa num objectivo simultaneamente básico e ambicioso – conhecer o Mundo.

Partimos dia 10, com vôo às 6.15h do Sá Carneiro, rumo a Frankfurt. Fui de directa, já um hábito meu antes de uma viagem longa – e também como de costume, tinha deixado as malas por fazer até à última da hora. Depois de umas duas horas de espera, o maior trecho, Frankfurt-Bogotá, e depois de mais outro tanto de espera em El Dorado, um aeroporto tão desinteressante como caótico, partimos em direcção a Tocumen, Panama City. Não tínhamos nada marcado, apenas o contacto de um Hostel que estava cheio mas com quem havíamos combinado um transfer do aeroporto, porque tínhamos de lhes pagar um adiantamento da viagem de barco que nos tinham reservado. Já estourados da viagem, rezei para que: 1. as nossas mochilas chegassem; 2. estivessem realmente à nossa espera para nos levar à cidade; 3. nos arranjassem umas camas algures, porque contrariamente ao que costuma acontecer, não tinha dormido quase nada durante os vôos. Passava já da uma da manhã (GMT +5) quando as malas chegaram, um papel com o meu nome acenava nas arrivals, e uns 20m depois, estávamos no Hostel Mamallena, no bairro de Perejil. Depois de algumas infomações sobre a travessia que íamos fazer daí a quatro dias – a viagem de barco de Portobelo (Panamá) para Cartagena de Indias (Colômbia) – reencaminharam-nos para um hotel barato ali perto, e o dia, finalmente, acabou por aí.


11 de Janeiro
No dia seguinte, acordámos com o casal do quarto ao lado aos berros a discutir, ritual que se repetiria na manhã seguinte, já que o isolamento dos quartos era absolutamente inexistente. Saímos cedo, caminhámos até à Avenida Costanera – a Balboa – e seguimos na direcção da cidade antiga: explorámos o Casco Viejo, com uma bela vista para a outra ponta da cidade, a parte moderna, e as suas igrejas e casas de estilo tipicamente colonial hispânico, mas nada de verdadeiramente apaixonante – muitas obras, muito lixo nas ruas, pouco comércio interessante. Parámos para comer no mercado de mariscos, onde comi, espero, o primeiro de muitos ceviches da viagem. Decidimos depois procurar a estação de autocarros para nos informarmos sobre os autocarros para Portobelo – após algumas indicações contraditórias, andámos um pouco e apanhámos um autocarro na Plaza de Mayo para Albrook, a estação central. Depois, seguimos até Bellavista e Punta Patilla, a parte nova da cidade, centro financeiro e comercial mais moderno, com grandes arranha-céus, shopping-malls e afins, mas também aqui, nada que me tenha efectivamente cativado. Regressámos a pé ao hotel, pela Via España, e comemos qualquer coisa numa imitação local de KFC, o Piu Piu, definitivamente a evitar. Verificar emails, tratar de marcar o hostel para o dia seguinte em Portobelo, e demos por terminado este segundo dia de viagem.

12 de Janeiro
De manhã cedo, saímos para Albrook, onde comemos qualquer coisa, e logo apanhamos o autocarro regional para Colón. E assim demos por terminada a visita à Cidade do Panamá, que num percurso destes não merece mais do que um ou dois dias de visita. Observámos a azáfama das pessoas, o caos instalado no trânsito, o lixo por recolher. A pobreza não é extrema, pelo menos não daquela visível nas ruas, nem as comuns abordagens ou vestígios de mendicidade – apesar de avisados, não senti qualquer insegurança, nem nas ruas, nem nos autocarros. Os sinais de riqueza transparecem, essencialmente nos carros e nos altos prédios residenciais, mas não explorámos nem esse lado da cidade, nem a vida nocturna sequer. Sente-se que é uma metrópole a querer crescer, desenvolver-se e afirmar-se como uma capital atractiva, turística e economicamente falando, e que para isso, beneficia de bastante investimento estrangeiro, principalmente americano, e de uma localização privilegiada, claro está. Mas é ainda uma capital da América Central, ao mesmo tempo latina e americanizada, que me marcou mais negativa do que positivamente, pela ausência de padrões estéticos ou de planeamento urbanístico, e pelo cheiro intenso das ruas, pontualmente nauseabundo, coisa que, mais tarde verificaria, é comum a quase todos os sítios do Panamá por que passámos.

Chegados a Colón, e vendo que a cidade não tinha muito para ver, decidimos seguir logo para Portobelo, onde conseguiríamos chegar pela hora de almoço. Os transportes são baratos, tanto na cidade como os locais, sendo que estes são especialmente interessantes, pela decoração e pelo ambiente – imaginem um autocarro tipo schoolbus, mas em versão tuning, com pinturas, muitas luzes, muita música, sermões religiosos e demonstrações de velocidade em estradas de curva-contracurva.

E finalmente, Portobelo, uma aldeia piscatória e turística devido aos barcos, que várias vezes por semana saem para a travessia até Cartagena ou Sapzurro, ou para cruzeiros no arquipélago de San Blas. Ficámos no único hostel da vila, o Captain Jack’s. Sítio simpático, com staff não tão simpático, fora o próprio Jack, dono e capitão de um dos barcos. No cimo de uma rua da vila, com uma boa vista, a única coisa que este hostel tem de especial é o terraço de entrada, com balcões a toda a volta, mesas corridas, um bar e uma atmosfera especial, principalmente ao fim da tarde /início de noite, quando enche com os hóspedes e pessoal dos barcos ancorados no porto. Depois de instalados, fomos dar uma volta por Portobelo – francamente pequeno, mas encantador. Os dois fortes antigos, principalmente, com vista para os barcos. Demorámo-nos num deles, instalados, a ouvir música (eu), a escrever (o Pedro), a contemplar (o Ricardo). Mais tarde, governámo-nos com pão, salsichas, quejo e atum, finado mais um dia.

13 de Janeiro
Com uma holandesa que havíamos conhecido na noite anterior, decidimos ir passar o dia à Isla Grande, uma ilha de praia a uns 20km. Saímos com calma, pois o primeiro autocarro para La Guayra só passava pelas 11h. No hostel ainda, conhecemos a Bea, a mulher do nosso capitão, o Tom, que nos deu algumas recomendações para a viagem, e nos intimou a comprar bastantes pastilhas para o enjoo, porque íamos precisar. Não tínhamos comprado, e precisaríamos de os ir buscar à farmácia mais próxima, em Sabanitas, a meia hora de viagem. Fomos à clínica da vila perguntar se tinham – não tinham, mas o condutor da ambulância ofereceu-se para nos comprar e adiantar o dinheiro, pois ia naquela direc­ção, e depois deixava os comprimidos no hostel. Aproveitámos esta simpatia espontânea, pedimos três caixas, e agradecemos muito. Vinte minutos de estrada, cinco num dos pequenos barcos que faz a ligação à ilha, e três dólares e meio depois, chegámos à praia. Não era muito grande, muito menos limpa, mas a água era cristalina, e as vistas da costa envolvente eram paradisíacas. Depois de uns mergulhos, mais uma sandes de atum, e  estávamos prontos para “explorar” a ilha. Tinha ouvido falar sobre um farol com vistas sobre a costa, mas não sabíamos exactamente o caminho. Fomos pelo meio das casas – algumas bonitas, mas quase todas horríveis – junto a margem, ate que começámos a subida, por onde os trilhos nos levavam. Um wrong turn, mas logo a seguir encontrámos o farol, e subimos.

A vista era, de facto, espectacular, sobre as ilhas e a floresta densa da costa. Depois da descida, último mergulho, e estávamos prontos para regressar. O último autocarro de regresso havia partido há muito, e queriam 20 dólares para nos levar de volta, numa lata velha. Recusei-me a ser roubada, e fizemo-nos à  estrada. Eram 16h30 ainda, tínhamos tempo de sobra. Cinco minutos de caminho, passa uma carrinha de caixa aberta, polegar de fora – siga, “mas só vamos fazer mais uns 2km de caminho, chicos”. Não faz mal, seguimos. Saltámos, agradecemos, e continuamos o caminho. Nem cinco minutos depois, passa outra, desta vez uma carrinha oficial de uma autoridade fiscalizadora agro-pecuária, ainda mais confortável.

 Pararam, e subimos para a traseira – foram apenas uns vinte minutos de caminho, mas de cabelo ao vento e a ver a paisagem, soube-me pela vida. Já em Portobelo, voltámos ao hostel, onde a noite foi tranquila: jantar, conheci o Simon, um alemão que também vem connosco no Luka, e pessoal que ia no outro barco, o Windsurfer. Fomos jantar, pizza a dividir – perdi a cabeça – e depois de algum convívio, retomei a escrita, até me vir o sono. Foi uma Sexta-feira 13, mas sem dúvida um dia em que as coisas dificilmente poderiam ter corrido melhor.

14 de Janeiro
O dia começou cedo, escrevi, e saí com os australianos, um canadiano, Simon e a Deli para tomar o pequeno-almoço. Mais contido que o deles – é sempre amargo contar trocados vendo os outros em modo “scrambled eggs, bacon and orange juice”, mas tem de ser. O orçamento é limitado, e antes cortar logo de início para poder, se for caso disso, desforrar-me no final. Feitas as malas, travado conhecimento com os restantes companheiros de viagem, iríamos encontrar-nos com o Tom pela hora de almoço, e partir pelas quatro da tarde. Estou a preparar-me mentalmente para estes cinco dias – sem chuveiros, sem internet (meu único meio de comunicação, já que o telemóvel não apanha rede desde que cheguei, apesar de me terem garantido que sim), e sem a mochila, que tem de ficar guardada junto com as outras numa cabine à parte. Além das ameaças de enjoo que a Bea insiste em fazer, e de que todos falam. Bom, se sobrevivermos, cá voltarei daqui a cinco dias para vos contar a viagem.

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