Suchitoto
O nome surge em todas as referências turísticas a El Salvador. É uma das jóias do país. Um “pueblo” colonial. Pacato. Colorido. Belo. Com gente simples e afável. Que vive ainda noutro século.
Caminhamos intemporalmente pelas suas históricas calçadas. Conversamos com locais. Rostos bem vincados. Provamos a saborosa gastronomia.
Assoberbados com um céu celestial. Fernanda explica a Zé Luís várias constelações.
Madrugador, vejo a aurora chegar. Tranquila. Como o ritmo deste casco, “viejo”. Depois, esplendorosa. Imponente.
Na igreja, crianças trajam de gala. Vão para a primária. E o momento é solene. Foto ao lado do padre é altura sublime. Famílias felizes. Lembra o Portugal rural dos anos 70.
Mais triste, invulgar anúncio espalhado até à exaustão: “Queremos Suchitoto livre de violência contra as mulheres”. Imaginamos…
O lago convida. Descemos. Esgueirando-nos pela natureza. Alugamos um barco. Irrompemos pelas águas serenas. Rodeados de montanhas. Paramos numa ilha. Exploramo-la ao melhor estilo Robison Crusoe. Um trio local faz-nos companhia. Duas jovens adolescentes. E um amigo já trintão, completamente embeiçado por uma delas.
Regressamos à aldeia. Restaurante rural. Pinturas polvilham as paredes. Tudo rústico, ao ar livre. Mesas no meio de jardim. Comemos um misto de iguarias locais. Ao improvável som de Lisa Ekdahl.
Dois Palhaços animam viagem
Juayua é o destino. A aldeia mais interessante da Ruta de las Flores, já perto da Guatemala. Vários transportes públicos para lá chegar.
Na América Central, cada viagem é uma surpresa. Começamos com um palhaço. Literal e profissionalmente, um palhaço. Entra no autocarro. Obviamente bem disposto, diz umas graçolas. Aproveita o facto de haver uns “gringos” (nós) no veículo para fazer piadas selectivas. Algumas em inglês, que só nós parecíamos entender. Arranca alguns sorrisos, não muitos. Recolhe dinheiro pelo espectáculo tão breve, quanto pobre. Fica surpreso quando o interpelamos em perfeito castelhano.
A vida continua. Troca de bus em San Salvador, a capital que prescindimos visitar. Destino volta a colocar-nos um palhaço no caminho. Agora um religioso. Com a autoridade que uma bíblia nas mãos supostamente lhe confere, um chorrilho de charlatanices. Promessas do paraíso aos crentes. O pior dos infernos aos restantes. Gastas e pouco criativas ameaças para todos os gostos.
Gasta a voz para se impor, mas ninguém lhe parece ligar. Ninguém olha para ele. Como se não estivesse lá. Sobe o tom das ameaças. E da voz. Usa mudança de opções sexuais de Ricky Martin para ilustrar a forma como a humanidade caminha para o fim. Felizmente esta viagem acaba pouco depois…
Sansonate. O último autocarro para Juayua já partiu. Estaríamos mal, não fosse o nosso anjo da guarda. Desta vez encarnado na mãe da pequena Paola. Tem o mesmo destino. Convida-nos a segui-la. Viagem de cinco minutos para outro lado da cidade, para o definitivo bus.
Quando percebemos, estamos em pé, apinhados como gado. Mas em cima de carrinha de caixa aberta. Fantástico. Saborosa experiência subir a montanha, de noite, com as estrelas a guiar-nos. E a brisa a soltar cabelos…
“Ficam em minha casa. São quatro, mas não há problema. Insisto”, repete Ana. Uma e outra vez. Atenta à conversa dos adultos, a pequena Paola olha para nós como que a suplicar-nos que o façamos.
Não quisemos abusar da simpatia. Mesmo. Agradecimentos mais do que suficientes e um sorridente “até um dia”. A simpatia e hospitalidade dos salvadorenhos já não nos surpreende.
Juayua esperava-nos. Igualmente pacata. Instalados, deliciamo-nos com as popusas da Doña Cony. As melhores que provamos em El Salvador. Antes de um último copo mais emblemático bar da aldeia.
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Rui Barbosa Batista relata no blogue Correr Mundo a sua viagem pela América Central ao longo de Novembro/Dezembro. No site www.bornfreee.com pode aceder a outros relatos e imagens sobre a viagem.