“Papa frita! Papa frita! Pap…”. Luz ainda gritou. E caiu ao chão. De uma altura de um metro. Perdeu os sentidos. Logo foi assistida. Pelos presentes. Levaram-na para fora do recinto.Tudo parecia normal, até que se ouvem gritos de fora da improvisada praça de touros. Pegam em Luz ao colo. Abanam-na. Dão-lhe água. Bofetadas. Inerte, não responde a qualquer estímulo. Grita-se por auxílio.
Luz tem apenas 13 anos. Vendia batatas fritas no interior do recinto. A queda deixou-lhe visíveis marcas. Estranho, mas não há um médico em espectáculo tauromáquico. Saio do recinto. Vou oferecer ajuda.
A uns 15 metros, uns 10 impávidos agentes da autoridade. Vou dizer-lhes o que se passa. Que a jovem, bastante mal tratada, precisa de um médico. Uma ambulância. Carro. Qualquer meio de transporte. O que quer que seja para ser transportada ao centro de saúde de Altagracia.
“Que vá a pé. Nada podemos fazer”, responde-me o mais expedito dos agentes da lei.
“Como?? Mas vocês são agentes da lei. Estão aqui não só para a ordem e proteger, mas também para ajudar a população”, retorqui, no inicio da indignação.
“Vê aqui algum carro? Que a levem eles. Não temos nada a ver com o assunto”, insistiu, a mesma figurinha. Agora a crescer. Peito mais inchado.
Complicado manter controlo emocional. Questiono a autoridade moral de todos aqueles agentes. Atrevo-me a sugerir o que deveria ser o seu comportamento. Palavras inúteis. Tal como os gestos que as acompanham.
“Essas regras são validas no seu país, não aqui. Simplesmente, nada vamos fazer. Não estamos aqui para isso”, insiste. Em claro tom de fim de conversa.
“Então o que raio fazem aqui?? Passar multas aos carros que não há?”, repliquei, já de voz mais exaltada.
Os agentes mais velhos, de olhos fixos no chão. Como que a darem-me razão. Mas nada fizeram.
“Espero que nunca passem por situação aflitiva e que quem vos pode ajudar simplesmente vire a cara. Vocês são a vergonha da polícia. Vocês são uma vergonha para a Nicarágua”, conclui. E virei costas.
Indiferentes às minhas ofensivas observações, viram-me seguir Luz e dois familiares pelo caminho alagado rumo ao posto de saúde. Metemo-nos em atalhos que, depois, sozinho, não fui capaz de copiar no regresso.
Nas urgências, a médica optou por deixar Luz em observações durante quatro horas. Durante o exame, um cão vagabundeou pela sala. Música reggaton tocava no computador. Várias imagens de nossa senhora. Pobreza em todos os sentidos.
“Vai ficar tudo bem. Estás bem acompanhada e já nada de mal te pode acontecer”. Despedi-me de Luz e dos familiares. Com ar ainda incrédulo pelo facto de um estranho se ter interessado por eles. Quando tantos os ignoraram.
“A polícia? É assim muitas vezes”, assumiu a médica, não querendo comprometer-se com mais comentários.
Perdi-me no regresso. Mas consegui voltar ao recinto. Ceviche e tortilha de carne e queijo. Seguidos de empanadas de frango.
Mais à noite, havia concerto com cantor conhecido no país. Ficaríamos pela casa colonial. Cartas e xadrez. E palavras que agora lêem.
Não fomos às lagoas…
___
Rui Barbosa Batista relata no blogue Correr Mundo a sua viagem pela América Central ao longo de Novembro/Dezembro. No site www.bornfreee.com pode aceder a outros relatos e imagens sobre a viagem.