Chovia. E o vento dançava descontrolado. As águas revoltas balouçavam o ferry. Era o último do dia. Chegaria às 18:10, já breu, ao pequeno cais de San Jose del Sur. Subimos ao convés. Pouco mais de uma hora no Lago Nicarágua até à mítica ilha de Omepete. Sentimos na brisa o odor de uma nova realidade.
Dois vulcões. Claramente definidos no horizonte. À nossa esquerda, o Concepcion, de fogo, com 1610 metros. O Maderas, de água, a mais acessíveis 1394. À direita. Deixamos terra e um por de sol fantástico. Rumávamos decididos em direcção ao negro da noite madrugadora. Subitamente, o céu é rasgado por um arco-íris resplendoroso. Afinal, acabariam por ser dois.
Silêncio absoluto. Apenas apreciar o cenário idílico. Seria difícil pinta-lo tão belo na nossa fantasia. As trevas acabam por tomar conta de tudo. O ferry irrompe lentamente pelas águas do Nicarágua.
Há um ‘colectivo’ para transportar os últimos passageiros do dia. “Hoje faltou”, lamenta o ‘génio’ cinquentão que nos acompanhava na berma da estrada. Todos os restantes passageiros tinham já rumado a casa. Passa uma pick up. Levanta a mão. Desaparece sem mais nada dizer.
Minutos depois, uma carrinha de nove lugares cheia de gente. A transbordar de tralha. Acabará por levar ainda mais passageiros. E ir um pouco mais pesada.
Altagracia foi onde montamos acampamento. Um pueblito típico. Com meras quatro ofertas de estadia. Primeira opção esgotada. Segunda horrível. Terceira também sem vagas. Ficaremos no Hotel Central. O melhor da cidade, mesmo algo degradado. Um edifício colonial com belos jardins interiores.
Saída para jantar. É festa, mas no centro da pequena localidade apenas um local serve comida. Frango com o inevitável “gallo pinto”. Ou seja, arroz misturado com feijão. Novamente.
Timidamente, o primeiro cão aproxima-se. Apenas vê de um olho. Dou-lhe plátano frito. Só osso debaixo da pele maltratada. Devora tudo num ápice. Juntam-se-lhe mais dois amigos. Igualmente esqueléticos. Recebem comida, mas não a disputam. Têm medo da gente. São maltratados pelos locais. Apenas por comida arriscam…
Minutos depois, um agitado sexagenário aproxima-se. Tem abordagem algo tresloucada. Diz que tem fome. Julgamo-lo a brincar. Pede autorização e pega no prato do Zé Luís. Roda o corpo e senta-se. De costas para nós. Silêncio.
Omepete em festa…
Queríamos sair às 08:00, mas antes das 07:00 já tínhamos abandonado o hotel. Sobram galos-tenor. E cães que não se calam. E ruidosas aves exóticas. O sono foi interrompido demasiado cedo.
Pequeno-almoço na praça central. Amigavelmente, recusamos gallo pinto com frango àquela hora. Sandes de queijo e manteiga bastam. “Lamento, mas já não temos queijo amarelo. Apenas temos do branco”, disse, atrapalhada, Maciel.
“Venha de lá esse branco. Importa é que seja queijo”, acalmei-a. A manteiga seria a primeira a chegar. Quase meia hora depois. E, para nosso espanto, veio de mota.
Atravessamos a desorganizada praça e encontramos o colectivo que nos deixaria em Ojo de Água. Caminhamos uns minutos. Por euro e meio, um lago de águas termais (mas à temperatura ambiente) rodeado de exuberante e colorida vegetação. Um must. Segundos depois, já agitávamos as águas ainda pouco frequentadas.
Rejuvenescidos 20 anos, como nos prometeram, seguimos caminho (aos calvos, prometeram cabeleira Bob Marley, mas não tivemos tanta sorte). Por uma vereda só usada por locais. Desaguámos em Santo Domingo. E almoçamos, junto ao mar, o peixe que o dono foi comprar à vila. Com sumos naturais. Arrematados com uma saborosa Toña gigante. A cerveja que vende por estes lados.
Carlos, um brinde a ti.
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Rui Barbosa Batista relata no blogue Correr Mundo a sua viagem pela América Central ao longo de Novembro/Dezembro. No site www.bornfreee.com pode aceder a outros relatos e imagens sobre a viagem.