(foto retirada do site oficial do escritor)
Lula Arraes, um amigo brasileiro, enviou-me uma mensagem através do Facebook e foi assim que hoje de manhã, no Hotel Axis Vermar da Póvoa de Varzim, onde estive por causa do Correntes d’Escritas, soube da morte do escritor brasileiro Moacyr Scliar. Conheci o escritor há dois anos precisamente nesse festival literário de escritores de expressão ibérica.
Em Fevereiro de 2009, ouvi-o contar no auditório cheio das Correntes na Póvoa uma história que nunca esqueci. O autor de “A mulher que escreveu a Bíblia” (ed. Livros de Seda) contou que o seu pai emigrou para um país desconhecido quando tinha dez anos. Saiu da Rússia no período da guerra civil que se seguiu a 1917, meteu-se num navio em direcção ao Brasil, atravessou o oceano e foi parar ao Rio Grande do Sul. Não fazia a mínima ideia do que o esperava. Chegou a um país completamente desconhecido mas isso não o impedia de ver o Brasil como uma coisa maravilhosa. Sonhava com o clima ameno, com um país de gente amável e com as frutas. Nunca tinha visto um abacaxi, nunca tinha visto uma manga, nunca tinha visto uma banana. E foi apresentado a uma banana, exactamente no dia em que chegou a Porto Alegre.
Quando embarcou, o pai de Moacyr já era “um menino magrinho”. No barco passou fome, ficou um esqueleto. E quando finalmente o navio atracou na cidade, desembarcou. A população inteira de Porto Alegre estava no cais à espera do barco que trazia os europeus e um gaúcho percebeu que o pai de Moacyr tinha fome e ofereceu-lhe uma banana. “O meu pai imaginou que era uma coisa para comer. Mas não tinha sido treinado para comer banana e, como não falava português, ficou com perplexidade a mexer na banana”, disse o também médico Moacyr Scliar.
Descobriu então que a banana se descascava, tal como a laranja. Imaginou que seria igual e que teria também casca e caroços. “Ao descascar a banana apareceu uma coisa que ele pensou que era o caroço da banana. E jogou fora o caroço. Comeu a casca de banana até ao fim para surpresa do gaúcho”, continuou o escritor a quem até morrer, já depois dos 80 anos, o pai disse sempre: “Casca de banana não é tão ruim como a gente pensa”. Para Moacyr Scliar, o escritor é “o emigrante que vê a banana e que come a casca” e a tarefa da literatura é “transformar o desconhecido em magia”.
Tive a ingrata tarefa de hoje de manhã, na Póvoa, dar a notícia a alguns dos seus amigos e editores portugueses e também ao escritor João Paulo Cuenca, que está em Portugal a lançar o seu último romance e participou nas Correntes. Este escritor carioca esteve com Moacyr Scliar há pouco tempo. Os dois participaram num festival literário em Minas Gerais e estiveram juntos numa mesa com um moderador. “Fiquei impressionado, como é que um escritor com dezenas de livros publicados, ele dizia que eram 80, continuava com tanta vitalidade a escrever, a publicar e participar de debates e mesas com a paciência e com a generosidade que ele tinha com novatos como eu”, disse ao PÚBLICO o autor de “O único final feliz para uma história de amor é um acidente” (ed. Caminho). Nessa altura os dois jantaram juntos e ficaram amigos. “Moacyr parecia muito mais saudável do que eu mesmo, por isso é chocante ele ter morrido”.
Há uns meses dediquei uma das minhas crónicas Ciberescritas ao site que o escritor brasileiro Moacyr Scliar inaugurava na Internet. Podem ler a partir daqui. A editora brasileira Companhia das Letras avisou no Twiter: Quem quiser, pode mandar um recado à família de Moacyr Scliar pelo site oficial (http://bit.ly/e1CldP) ou pelo twitter (http://twitter.com/moacyr_scliar)
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