Espólio de Sophia ficará “em boas mãos” na BNP

(Carta de Sophia ao marido, Francisco Sousa Tavares, preso em Caxias, 1966. Um dos documentos que fazem parte do espólio, agora na Biblioteca Nacional de Portugal)

Foi “muito bonito” de se ver os cinco filhos de Sophia de Mello Breyner Andresen (1914-2004) Miguel, Isabel, Maria, Sofia e Xavier “cinco irmãos, tão unidos” sentados a assinar o termo de doação e que “tivessem feito o que fizeram”, deixando o espólio de Sophia à Biblioteca Nacional de Portugal (BNP). Estas palavras são de Mário Soares, na cerimónia de ontem, em Lisboa, que foi seguida da abertura da exposição dedicada à escritora.
A cerimónia era de circunstância, mas para a família, como lembrou Miguel Sousa Tavares, não o era.
Maria Andresen emocionou-se. Todos sabiam que estava ali também a separar-se de parte da sua vida: dedicou os últimos anos ao inventário dos papéis da mãe, desse espólio que passou agora a ser de todos.
“Enquanto filhos, não seria nunca a partilha e subsequente posse particular de parte desse espólio por cada um de nós que nos ajudaria a domesticar as saudades que dela temos”, explicou Miguel, já que para os filhos o verdadeiro espólio são os livros que a mãe escreveu. “Num país onde todos reclamam tudo do Estado e ninguém se sente obrigado a dar alguma coisa em troca, sabe bem dar alguma coisa ao Estado”, acrescentou.
“O nosso privilégio foi termos recebido tudo o que recebemos da nossa mãe; o mínimo que nos competia é devolver tudo o que dela só foi nosso, por acaso ou sorte.” O escritor lembrou então uma história passada entre a mãe, a sua irmã Sofia e o presidente da Gulbenkian. Alguém ofereceu dois patos a Sofia. Meses depois, “os patos pequeninos, amarelos e amorosos tinham-se transformado em aves, imensas, de um branco sujo, ameaçando virar gansos selvagens, passando a constituir um problema familiar e logístico”, contou Miguel.
Então Sophia “congeminou” ir deixar os patos ao jardim da Fundação Gulbenkian, onde seriam imensamente mais felizes. Telefonou então ao presidente da Gulbenkian a pedir licença.
“E, para seu espanto, o doutor Perdigão respondeu: ‘Com certeza, deixe-me só marcar aqui um dia na agenda'”, disse Miguel e a sala gargalhou.
“Intrigados com aquela da cerimónia, no dia e hora aprazados, a minha mãe, o meu pai, a minha irmã, eu e os patos comparecemos na Gulbenkian. Soltos os patos no jardim, secadas as lágrimas da minha irmã, o doutor Perdigão convidou-nos para um solene chá onde se fez a entrega de uma medalha”, continuou Miguel. E quando Sophia, espantada, afirmou que não estava à espera de tantas atenções, o “doutor Azeredo Perdigão, empertigou-se e disse: ‘Senhora dona Sophia, sabe que eu estou aqui há vários anos e todos os dias tenho que responder a pedidos feitos à fundação, mas até hoje nunca ninguém se tinha lembrado de nos oferecer o que quer que fosse. Por isso esta oferta de patos para nós tem um valor simbólico”, terminou Miguel dizendo que em nome dos irmãos foi com “muito gosto e com muito orgulho” que entregaram o espólio de Sophia de Mello Breyner à Biblioteca Nacional com a certeza de que ficará em boas mãos.

(publicado no PÚBLICO, dia 27 de Janeiro de 2011)

Esta entrada foi publicada em Escritor com os tópicos , . Guarde o href="http://blogues.publico.pt/ciberescritas/2011/02/01/espolio-de-sophia-ficara-em-boas-maos-na-bnp/" title="Endereço para Espólio de Sophia ficará “em boas mãos” na BNP" rel="bookmark">endereço permamente.

Um comentário a Espólio de Sophia ficará “em boas mãos” na BNP

  1. Pingback: Tweets that mention Ciberescritas » Espólio de Sophia ficará “em boas mãos” na BNP -- Topsy.com

Deixar um comentário