(fotografia de Fernando Baptista)
Há cocktails e jantares de homenagem a autores como David Grossman e Jonathan Franzen. David Bowie não está cá, mas o seu livro é já o mais badalado da feira. Por Isabel Coutinho, em Frankfurt
Uma jovem jornalista israelita pergunta ao escritor David Grossman, que esteve ontem na Feira do Livro de Frankfurt: “Alguma vez pensou abandonar Israel?” É sexta-feira de manhã, o autor israelita de Em Carne Viva e de Ver: Amor (Campo das Letras) está a dar uma conferência de imprensa por causa do Prémio da Paz 2010, atribuído pelos Livreiros Alemães, que receberá no próximo domingo e, por momentos, fica perturbado.
O escritor e a sua família vivem em Mevaseret Zion, nos subúrbios de Jerusalém, e, em 2006, o seu filho Uri foi morto por um míssil do Hezbollah durante o conflito israelo-libanês. “Há uns meses um jornalista da BBC fez-me a mesma pergunta por causa da desgraça que a minha família teve de enfrentar. Mas, sabem, quando alguma coisa como esta acontece, sentimo-nos exilados de tudo e nada é tomado por certo”, disse.
Claro que a possibilidade de deixar Israel passou pelo seu espírito e da família, mas nunca no sentido de dizerem: “Vamos embora, vamos comprar bilhetes para ir para outro sítio qualquer.” Ainda assim, pensaram que, se não vivessem ali, talvez tudo tivesse sido diferente. “Fizemos a nossa escolha. Estamos lá e este “estar lá” inclui não só o possível perigo para os nossos filhos, mas também a memória do que aconteceu. Estamos lá porque, falo por mim, Israel é a minha casa. Israel é o sítio onde não me sinto um estranho.”
David Grossman acabou agora uma ópera para crianças e começou já a trabalhar noutra coisa de que ainda não pode falar: “Deve ficar privada, mas mistura prosa, poesia e peça de teatro.” Para o escritor – que receberá um prémio no valor de 25 mil euros que já foi atribuído a Susan Sontag, Claudio Magris, Orhan Pamuk, Amos Oz e ao agora Nobel Mario Vargas Llosa -, estar na Alemanha com o peso da história tem um significado profundo. “Quando entrei nesta sala, foi como se regressasse ao tempo antes de eu ter nascido. Há uma série de coisas que estão relacionadas com o facto de este prémio estar a ser atribuído a mim, que sou um israelita, um judeu que vive em Israel e que está num conflito que na verdade nunca terminou.”
“Deus? Adormeceu?!”
E estas coisas, o peso da História, o Holocausto, surgiam na cabeça do escritor – a quem o prémio foi atribuído pela sua luta a favor da reconciliação entre israelitas e palestinianos -, enquanto ouvia as perguntas dos jornalistas de todo o mundo.
Na noite anterior à conferência de imprensa, Grossman tinha sido um dos autores homenageados no jantar da editora alemã Hanser Verlag, aquele que é considerado um dos acontecimentos sociais mais importantes da feira de Frankfurt, já que os convites são muito exclusivos. No mesmo dia, foi homenageado Jonathan Franzen, no restaurante Orfeo”s Erben.
Franzen está na feira a lançar Freedom, o romance mais falado dos últimos tempos – e que foi a leitura de Obama nas suas férias. Apesar do ar tímido, estava bem-disposto a receber os seus editores de todo o mundo, uns atrás dos outros. Conversas de cinco minutos, conversas de circunstância.
Freedom irá ser publicado no próximo ano pelas Publicações Dom Quixote e Cecília Andrade, a sua editora portuguesa, foi até ao cocktail de homenagem convencer o autor de Correcções a ir a Lisboa em Março para promover o livro. Por trás dos seus óculos, Franzen pareceu animado com a ideia porque em Portugal, disse, há pássaros muito bonitos. Quis saber como estaria o tempo.
Ontem, à hora de almoço, foi ele a atracção da feira no programa de livros Blue Sofa. Fez um grande esforço e falou em alemão (já viveu em Berlim). De vez em quando saía-lhe uma frase em inglês que logo era traduzida por uma voz que ecoava em toda a sala. Ele achou graça. Começou a brincar e a dizer que aquela era a voz de um Deus muito particular, “um excelente canal para os seus pensamentos”. É que, do sítio onde estava sentado, Franzen não conseguia ver a cabina onde o tradutor estava enfiado.
A determinada altura, o tradutor calou-se porque alguém o foi chamar para entrar de surpresa no palco. Jonathan Franzen voltou a falar em inglês e não ouviu o eco da voz de “Deus em alemão”. Levou a mão à orelha: “Deus? Adormeceu?!”, perguntou para a plateia. “Onde estás Deus?”, continuou a rir-se muito divertido. No final, desiludiu os leitores alemães, não aparecendo para dar os tradicionais autógrafos.
O livro de Bowie
A quinta-feira da Feira do Livro de Frankfurt é tradicionalmente cheia de acontecimentos. E foi também na quinta-feira que o agente literário Andrew Wylie resolveu dar um jantar de homenagem a Alaa Al Aswany, escritor egípcio. Cada ano que passa o catálogo da sua agência fica mais volumoso. Nesta edição da Feira do Livro estão a negociar os direitos dos novos romances de Martin Amis, Kiran Desai e Orhan Pamuk e daquele que parece ser o livro mais badalado da feira. Trata-se de Bowie: Object, do “artista mais influente de todos os tempos”, o músico e actor David Bowie.
O livro vai mostrar 100 objectos do arquivo Bowie e as fotografias serão acompanhadas por um texto pessoal escrito pelo músico. O próprio livro é já um objecto de arte, o grafismo caberá à Barnbrook e os objectos são fotografados de uma forma “clean e com um estilo muito contemporâneo”, lê-se no catálogo.
Outro músico, David Byrne, depois de ter publicado Diário da Bicicleta, vai lançar, em Janeiro de 2011, How Music Works. É ele próprio que diz: “Não é uma autobiografia ou um diário e, definitivamente, não é um livro de bisbilhotices. Tenta dizer de uma maneira diferente o como e o porquê: quais os contextos e factores que fazem a música acontecer da maneira como ela acontece. Não só a minha, mas a música em geral.”
(artigo publicado no P2 no dia 9 de Outubro de 2010)
isabel, belo texto. só para te lembrar que o luiz schwarcz, editor brasileiro, tem um texto no blog da editora (blogdacompanhia.com.br) a respeito do convite dele ao jonathan franzen para vir ao brasil que também vale a pena conferir…