(A fadista Carminho num concerto na Casa da Música em 2008 cantou “Saudades do Brasil em Portugal”)
Ciberescritas
Isabel.Coutinho@publico.pt
Era o dia 19 de Dezembro de 1968. O poeta Vinicius de Moraes estava em Lisboa e partia, no dia seguinte, para Roma, onde iria passar o Natal. Mas naquela noite foi a casa de Amália Rodrigues, na Rua de São Bento, a uma pequena festa de despedida. Estavam lá Natália Correia, José Carlos Ary dos Santos, David Ferreira e outros, e foi feita uma gravação áudio do que ali se passou (o disco foi editado pela EMI). A determinada altura Vinicius (1913-1980) diz a Amália Rodrigues: “A maior ousadia que eu cometi na minha vida foi fazer um fado para ti [risos]. Mas foi sincero, foi honesto, não sei se é fado não sei se não é: foi feito com amor. Chama-se ‘Saudades do Brasil em Portugal’.” E começa a cantar com um “pouquinho de sotaque”. Depois, Amália canta a mesma canção. Divina: “Ausência tão cruel Saudade tão fatal/Saudades do Brasil em Portugal”.
Foi a pensar em José Mindlin (1914-2010), o bibliófilo brasileiro que morreu aos 95 anos, em Fevereiro, que voltei a ouvir esta gravação dos anos 60. Este membro da Academia Brasileira de Letras que dizia “a gente passa, os livros ficam” começou a coleccionar livros quando tinha 13 anos e, em 2006, doou os 40 mil volumes da sua biblioteca à Universidade de São Paulo que criou a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (Guita era o nome da sua mulher). Daí nasceu a Brasiliana Digital que oferece na Internet o acesso “irrestrito, livre e total” a um acervo de livros, folhetos, periódicos, manuscritos, mapas e imagens sobre a história e a cultura do Brasil. É através do sistema integrado de digitalização robotizada de livros encadernados (APT 2400RA BookScan da Kirtas Tech) instalado no Laboratório da Brasiliana Digital que os e-books são realizados (a equipa chama ao robô Maria Bonita).
Desde o início desta semana que, integrados no projecto “Toda Poesia de Vinicius de Moraes”, estão digitalizados e disponíveis no site da Biblioteca Brasiliana USP os 15 livros de poesia de Vinicius doados por José Mindlin. Está lá, por exemplo, “O Caminho para a Distância” (1933), o primeiro livro que o poeta publicou. Quando se descarrega o PDF vê-se o amarelado do papel, página a página, e uma dedicatória escrita por Vinicius onde ele faz referência a esse “batido do sol, velho (…)”. O exemplar de “Orfeu da Conceição: tragédia carioca”, de 1956, está também digitalizado. É uma primeira edição com ilustrações de Carlos Scliar e é possível consultá-lo completo em PDF ou ver só as ilustrações. No “Livro de Sonetos” há outra particularidade: logo nas primeiras páginas pode ver-se o Ex-libris José Mindlin com a frase: “Ie ne fay rien sans gayeté (Montaigne, Des Livres)”. Os últimos livros digitalizados: “Um Signo: uma mulher” e “A Casa” (ambos publicados em 1975).
É possível descarregar estas obras para o computador (basta fazer um clique em guardar no PDF) e depois copiá-lo para leitores de e-books como o Sony Reader, o Kindle, o iPad e outros. Mas está lá o aviso: “Você apenas deve utilizar esta obra para fins não comerciais. Os livros, textos e imagens que publicamos na Brasiliana Digital são todos de domínio público, no entanto, é proibido o uso comercial das nossas imagens.” Não deixe de visitar também o site oficial Vinicius de Moraes, com direcção de conteúdo de Eucanaã Ferraz.
Toda poesia de Vinicius de Moraes
Vinicius de Moraes
http://viniciusdemoraes.com.br/
(crónica publicada no suplemento ípsilon, do jornal PÚBLICO do dia 30 de Abril de 2010)
Isabel.
Gostei muito de tomar contato com esse episódio da história de vida desse grande poeta, Vinicius de Moraes. Fiz um trabalho sobre sua vida e obra por ocasião de um projeto cultural que realizamos em São Paulo, Brasil, no ano de 2009 e passei a conhecer um pouco melhor alguns detalhes da sua vida. Por exemplo, no final de 1968 ele estava muito triste porque fora afastado de suas atribuições diplomáticas pelo governo militar brasileiro. Ele estava em Portugal com Chico Buarque e Nara Leão, quando o regime militar emitiu o Ato Institucional 5 que o exonerou de sua funções. O motivo apontado para o afastamento foi o seu comportamento boémio incompatível com sua funções diplomáticas, mas o verdadeiro motivo seria pela sua proximidade com outros intelectuais críticos da gestão governamental da época, sendo o Chico Buarque um deles. Pensando bem agora, dá pra perceber um clima ideal para a composição de um fado que narra a saudade da sua terra natal. Um abraço pra voce e sucesso com seu Blog. Celso Antonio Pereira