Saudades da Pipi

ylivropipi3col

Ciberescritas

Isabel.Coutinho@publico.pt

A Pipi das Meias Altas tinha nove anos e vivia sozinha numa casa com jardim que se chamava Villa Villekulla. Não tinha mãe nem pai (em casa) e por isso podia ficar de pé até tarde porque ninguém a obrigava a ir para a cama.

E ninguém a obrigava a tomar óleo de fígado de bacalhau quando o que ela queria era comer caramelos. Claro que, no passado, a Pipi das Meias Altas tivera um pai e uma mãe. A mãe morreu e o pai, um capitão do mar, desapareceu num dia de tempestade. Mas a filha acreditava que o pai pirata iria voltar. Até lá tinha a companhia de um macaquinho, que andava sempre no seu ombro, o senhor Nilsson, e de um cavalo. Além dos dois amigos, Tommy e Annika.

Esta menina de cabelos ruivos, duas tranças espetadas e uma meia de cada cor, era uma rapariga independente que sabia usar pistolas, fazer panquecas, tinha o seu fundo de maneio e era forte. Nasceu na cabeça da escritora sueca mais popular de literatura infantil, Astrid Lindgren, e encorajou gerações de raparigas a divertirem-se e a acreditarem em si próprias.

Astrid Lindgren já tinha mais de trinta anos quando escreveu o primeiro manuscrito sobre esta rapariga fora do vulgar. Tinha 38 anos quando viu o primeiro livro ser publicado, em 1945. Ao que se sabe foi a filha Karin que lhe serviu de inspiração para Pipi das Meias Altas. Karin ficou doente com pneumonia e a mãe contava-lhe histórias. Uma noite, em 1941, Karin pediu uma história sobre a Pipi. Como a personagem tinha um nome estranho, a história também devia ser amalucada e Lindgren inventou uma rapariga que desafiava as convenções. É isto que conta a sua biógrafa Eva-Maria Metcalf.

Naquela época a escritora estava interessada nas discussões sobre a psicologia e a educação das crianças. Isso levou-a a criar uma forma de contar as histórias diferente: tinha em conta o ponto de vista da criança.

Metcalf conta que Karin, a filha de Astrid, gostou tanto que pedia à mãe que lhe contasse cada vez mais histórias da Pipi e ela passou a ser a heroína do que se contavam à noite lá em casa. Até que um dia, Astrid escorregou no gelo, magoou-se na anca e teve que ficar na cama. A filha fazia dez anos e ela teve a ideia de passar ao papel as histórias da Pipi. Fez um livro, caseiro, para oferecer à filha. Conta Eva-Maria Metcalf na biografia sobre a escritora que uma análise deste manuscrito mostrou que a primeira versão da Pipi, com desenhos feitos pela autora, respeitava ainda menos os adultos e as figuras de autoridade do que a versão publicada quatro anos depois. A publicação não foi fácil, uma editora recusou mesmo publicá-lo. A crítica dividiu-se: para uns era uma coisa revolucionária, para outros medíocre. O “site” oficial da escritora tem uma cronologia, muitas fotografias, capas dos livros e uma biografia.

Para alguns a Pipi das Meias Altas teve tanta influência como “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir. Mudou a vida de muitas raparigas. Também mudou a minha. Decidi que quando fosse grande queria ser pirata.

Astrid Lindgren
http://www.astridlindgren.se/en

http://www.sweden.se/eng/Home/Lifestyle/Culture/Literature/Astrid-lindgren/

(crónica publicada no suplemento Ípsilon do jornal PÚBLICO de 16 de Abril de 2010)

8 comentários a Saudades da Pipi

  1. Pingback: Keanu Reeves pode estrelar filme infantil baseado nos livros “Pipi Meias Altas” | KEANU_BR

  2. Pingback: Keanu Reeves pode estrelar filme infantil baseado nos livros “Pipi Meais Altas” | KEANU_BR

  3. Lembro com entusiasmo os episódios divertidos daquela maria-rapaz, capaz de desafiar tudo e todos.A Pipi das meias altas era uma verdadeira heroína que eu admirava e “invejava”! Que saudades…

  4. Cara Isabel Coutinho:

    Talvez não saiba, mas a Pipi das Meias Altas, enquanto personagem de Astrid Lindgren, digamos que tinha… um “irmão” quase gémeo :-)

    Era o pequeno (e traquinas) Emílio, que vivia numa simpática quinta em Katthult, na Suécia, e andava sempre metido em sarilhos :-)

    As suas aventuras foram publicadas pela primeira vez em Portugal em 1979 (!) pela Editorial Verbo.

    Eram 3 pequenos volumes, e animaram a juventude de muitos de nós :-)

    Quem se divertiu com as tropelias do pequeno Emílio e quer apresentá-lo aos filhos já pode “redescobrir” online e gratuitamente o 1º episódio do 1º volume.

    O blog “Emílio Dentro da Terrina” oferece um pequeno ebook, um vídeo exclusivo em português, dois audiobooks lidos pelo Rui Unas e pela Rita Blanco e, brevemente, uma banda desenhada:

    http://emiliodentrodaterrina.blogspot.com

    Este blog concentra o esforço de um grupo de fãs portugueses (e suecos!) para convencer a Babel, actual detentora desta obra de Astrid Lindgren, a reeditar esta divertida obra infantil :-)

    Fica feito o convite para (re?)descobrir o “irmão” da Pipi, e apoiar este projecto :-)

Deixar um comentário