Ciberescritas
isabel.coutinho@publico.pt
É caso para dizer que à terceira crónica fiquei arrebatada, e nunca mais parei. Num daqueles domingos de manhã em que a pilha de livros que se vai acumulando ao lado da cama parece interminável, tirei de lá “What língua is esta? Estrangeirismos, Neologismos, Lulismos e Outros modismos”, do brasileiro Sérgio Rodrigues (ed. Gradiva).
O livro, editado em Portugal o ano passado, tinha ficado à espera que eu o lesse, e os meses foram passando. Até àquela manhã em que me entusiasmei com o prefácio, escrito para a edição portuguesa, onde Sérgio recorda o sambista Noel Rosa e a sua canção dos anos 30, “Não tem tradução”, com os famosos versos: “Tudo aquilo que o malandro pronúncia com voz macia é brasileiro, já passou de português.”
Apesar de Sérgio saber bem que o idioma falado no Brasil é o português, fala com sentido de humor de “um português à brasileira, claro, como não podia deixar de ser.”
Logo na introdução, o jornalista e escritor brasileiro avisa: “Nossa língua está com os dias contados. Nossa língua está mais forte do que nunca. Nossa língua dá fôlego e cores novas ao idioma que herdamos dos portugueses. Nossa língua vem sendo comida pelo inglês.”
Serve isto de introdução para a terceira crónica do seu livro que foi aquela que me fez largá-lo só na última página. Depois de “Emoticon tb é msg” (crónica sobre smileys e afins), de “Quem imputou que desinpute” (crónica sobre a mania de os brasileiros juntarem a uma palavra inglesa o sufixo “ar” e criarem novos verbos: imputar, deletar, printar, ressetar, xerocar) surge então a crónica que me conquistou: “What língua is esta?”.
É um diálogo, desde o início até ao fim. Uma conversa telefónica entre dois colegas. Um deles está à espera de um telefonema de Wall Street e o outro pergunta-lhe: “Quer que eu ligue later?” Recebe como resposta: “Não precisa. Qualquer coisa, o bichinho hi-tech aqui bipa e eu ponho você em hold.” E continua: “Vamos fazer o seguinte, então, mas vê se não acostuma porque isso é contra as regulations, out of line total. Eu vou dar um recover aqui no file do peak da curva, o tal de hoje de manhã. Dou um recover, deleto o horário e mando o gráfico atachado pra você, tá certo?” É tão divertido quanto deprimente.
As crónicas reunidas neste livro (a última, muito a propósito, intitula-se “Salvem o português de quem quer salvá-lo”) foram publicadas no “Jornal do Brasil” e naquela que era a revista electrónica “NoMínimo” (onde Sérgio tinha uma coluna diária, “A Palavra É…”). Este portal fechou em 2007 e agora é um agregador de blogues escritos em português.
O autor do romance “As Sementes de Flowerville” (ed. brasileira na Objetiva) define-se primeiro como leitor e só depois como escritor. Mantém o blogue literário Todoprosa que pode ser seguido no Twitter. Está a lançar no Brasil o seu mais recente livro, “Sobrescritos 40 histórias de escritores, excretores e outros insensatos” (Arquipélago Editorial).São contos.
Todoprosa
Sérgio Rodrigues no Twitter
http://twitter.com/sergiotodoprosa
No Mínimo
(crónica publicada no suplemento ípsilon do jornal PÚBLICO)