Ciberescritas
Isabel.Coutinho@publico.pt
O futuro do livro é sempre um tema aliciante. O académico italiano Umberto Eco aceitou o convite do colega francês Jean-Philippe de Tonac para discutir com ele e com o argumentista Jean-Claude Carrière se vamos ou não desembaraçar-nos dos livros. Chegaram a esta conclusão: não. O livro impresso está aí para dar e durar.
Esses encontros terão decorrido à beira de uma piscina e foram regados com bom uísque, contou o italiano especialista em semiótica numa entrevista, a semana passada, ao “Sabático”, o novo suplemento literário do jornal brasileiro “Estado de São Paulo”. Dessas conversas, nasceu o livro “N’espérez pas vous débarrasser des livres”, publicado em França no final do ano passado pela Grasset e que vai sair em Abril, na editora brasileira Record, com o título “Não Contem com o Fim do Livro”.
(Em Portugal, soube por um leitor depois de ter escrito esta crónica foi editado o ano passado com um título estranhíssimo : “A Obsessão do Fogo”, de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière na Difel.)
Esta foi a razão que levou o jornalista Ubiratan Brasil, do “Estado de São Paulo”, a ir a Milão entrevistar o escritor italiano e perguntar-lhe se o livro está condenado. Eco estava bem disposto e respondeu-lhe que “o desaparecimento do livro é uma obsessão de jornalistas”, que lhe fazem a mesma pergunta há 15 anos. “O livro, para mim, é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objecto que, uma vez inventado, não muda jamais. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído”, afirmou.
“O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação. Os electrónicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos”, diz Eco. E pergunta: quem é que há dez anos afirmaria que os computadores não iriam ser capazes de ler disquetes hoje em dia? Ou que os livros sobreviveriam há mais de cinco séculos? O ano passado, Eco deu uma entrevista à francesa “Télérama” e foi ainda mais veemente: “O ‘e-book’ pode eliminar algum género de livros e de documentos: os quarenta volumes da enciclopédia para os quais era necessário arranjar um quarto a mais nos nossos apartamentos, isso acabou, certamente… Fará desaparecer as escolioses das nossas crianças que transportam às costas quilos de manuais escolares. Terão Molière, a gramática, no seu computador portátil. Mas nada eliminará o amor ao livro”.
Em “N’espérez pas vous débarrasser des livres”, Eco fala, a determinada altura, desta ideia de o livro ser como uma colher e lembra-se da história do espremedor de citrinos de Philippe Starck. Diz que o designer francês tentou inovar, mas o seu belíssimo espremedor de citrinos (para salvaguardar uma certa pureza estética) deixa passar os caroços.
A entrevista que deu ao “Sabático” está disponível para leitura no “site” do jornal brasileiro, que sofreu uma reforma gráfica esta semana. Depois de ter explicado detalhadamente como organizava a sua biblioteca de 50 mil volumes, Umberto Eco conta que este ano foi apresentado ao autor de “O Código Da Vinci” numa estreia no Teatro Scala. Nessa altura, Dan Brown disse-lhe: “O senhor não me admira, mas eu gosto dos seus livros”. E o autor de “O Nome da Rosa” e “O Pêndulo de Foucault” respondeu-lhe: “Não é que eu não goste de você afinal, eu criei você (risos)”.
Eco no “Sabático”
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,eletronicos-duram-10-anos-livros–5-seculos–diz-umberto-eco,523700,0.htm
Eco na “Télérama”http://www.telerama.fr/livre/umberto-eco-internet-encourage-la-lecture-de-livres-parce-qu-il-augmente-la-curiosite,47983.php
Excertos
http://bibliobs.nouvelobs.com/20091015/ 15291/le-livre-ne-mourra-pas
Umberto Eco
(Crónica publicada no suplemento ípsilon, do jornal PÚBLICO de 19 de Março de 2010)
que legal
Perigoso e artificial esse ponto de vista sobre o fim do livro. O livro não é como a fotografia ou a imagem, cuja especificidade tecnológica actual é compatível com o uso de uma bateria recarregável. Mesmo que livro venha a ter umas pilhas isso não seria o seu o fim, talvez mais um efeito da técnica. O livro tem uma especificidade “ancestral” que passa pela edição, modo de fazer, circulação, língua, tradução, conhecimento, leitura, escrita e por uma comunidade infinita de escritores, leitores e diversos públicos. Querer confundir o devir do livro com as mais recentes mutações tecnológicas operadas nas últimas décadas, é como identificar a clássica máquina de escrever ou o ecrã de um pc com a possibilidade desses instrumentos puderam alterar por si só o modo de ser da literatura e da poesia. O advento do papel digital não irá fazer desaparecer o dito papel analógico, tal como a descoberta do ADN não pôs em cheque a livre circulação do sangue nem a existência do ser humano tal como ele é hoje conhecido. O deslumbramento pela tecnologia mais sofisticada leva a pensar erradamente em várias mortes ou fins “afins” quer seja do livro, da literatura, da pintura, da escultura ou da música como finalmente da arte e até da história! Quem morre não é o livro, mas o que nele se inscreve de fundamental. Essa é a perda impossível de resgatar.
Para mim é certo que o livro em papel viverá eternos anos, mesmo no cenário em que o digital vinga , teremos sempre livros em papel até …. é como o vynil para a música, hoje mais do que nunca vendem-se “vinis” a preços interessantes, penso até que poderá crescer este mercado.
A grande dúvida é se é desta que o livro digital nasce para a massas, juntamente com os jornais e revistas. Os primeiros passos estão já em maturação, vêm aí o iPad, é mesmo muito provável….. estou mesmo quase certo que os conteudos irão atrás. E será o fim da industria da distribuição tal como a conhecemos…… provavelmente.
Obrigado Isabel, pela sintese e bom fim-de-semana,
Miguel