Dos Blooks às Flicktions

(por causa de andar a pensar na década fui desencantar isto no meu baú. ainda não existia este blogue quando este texto foi publicado no jornal: vão seguir-se outros)

Blogues e sites transformados em livros? A moda está a pegar e em 2005 foi criado o Lulu Blooker Prize, o primeiro prémio literário para os novíssimos blooks. Hoje há vencedores.

Fácil, fácil é criar um blogue. Difícil é conseguir chegar onde chegaram os 15 candidatos finalistas à segunda edição do Lulu Blooker Prize o prémio literário para blooks e cujos vencedores são hoje anunciados (14 de Maio de 2007). Blooks? Mas o que é isso? É uma palavra que, a acreditar no site oficial dos Lulu Blooker Prize, existe desde há cinco anos e se refere a “livros baseados em blogues ou em websites”. Sim, baseados em blogues, palavra que em língua inglesa (blog) foi inventada há dez anos.

Por sua vez o Lulu Blooker Prize o primeiro prémio literário para blooks foi criado há dois anos para assinalar o 450º aniversário da invenção de Gutenberg (http://lulublookerprize.typepad.com/). É patrocinado pela Lulu.com, um site de impressão-a-pedido criado por Bob Young, onde qualquer pessoa pode fazer um livro e colocá-lo à venda sem passar por um editor tradicional. Quase tão fácil como criar um blogue.

No Lulu Blooker Prize há um Grande Vencedor e também vencedores por três categorias: ficção, não-ficção e banda-desenhada.

Cada vencedor por categoria ganha 2500 dólares (1800 euros) e o grande vencedor ganha 7500 dólares (5 500 euros). A organização sabe que o prémio em termos monetários é modesto mas dizem que vale pela glória, quer no mundo literário quer no mundo dos blogues.

O ano passado foi o livro “Julie and Julia: 365 Days, 524 Recipes, 1 Tiny Apartment Kitchen”, da norte-americana Julie Powell que venceu na área de não-ficção e ganhou também o Grande Prémio. É um livro descrito como se o “Diário de Bridget Jones” se tivesse encontrado com “Como Água Para Chocolate”.

São as tentativas de Powell de fazer as 524 receitas de um dos livros de cozinha de Julia Child, o clássico de 1961 intitulado “Mastering the Art of French Cooking”, num período de 365 dias para dar um novo ânimo ao seu casamento.

O blogue tornou-se num sítio de culto. Foi publicado em papel pela Little, Brown e antes de ter sido premiado já tinha vendido 100 mil cópias. A versão em papel é mais trabalhada do que a do blogue.

Apesar de ter alguns posts tal como ela os colocou na Internet, o livro tem mais informações sobre a autora e sobre o seu marido, juntando ainda comentários dos leitores do blogue.

É isto que faz a diferença entre um blogue e um blook. Paul Jones, o presidente do júri e director da biblioteca digital iBiblio explicou-a no ano passado: “Um blook fantástico não é um blogue empurrado para o papel”. Na sua opinião a transição de um meio para outro, do blogue para o papel, tem que implicar um amadurecimento.


A grande vencedora do ano passado Julie Powell está no júri deste ano, juntamente com Arianna Huffington, Rohit Gupta e Nick Cohen, que escreveu na sua crónica no “Observer” da semana passada : “Para minha surpresa, acabei por ir parar à vanguarda da revolução da Web 2.0. Os organizadores do Lulu Blooker Prize 2007 pediram-me para fazer parte do júri. Suspeito que não conseguiram encontrar mais ninguém.”
A crónica continua até Nick Cohen confessar que, ao ler as obras dos 15 finalistas, chegou à conclusão de que bons escritores podem nascer na Internet. Mas pareceu-lhe que, apesar de nascerem na Net, parasitam nos mesmos géneros que existem nas edições tradicionais, tal como os bloggers que escrevem sobre política parasitam nos jornais tradicionais.

No entanto, Nick Cohen encontrou num dos blooks nomeados, “My War: Killing Time In Iraq” de Colby Buzzell (autor do blogue www.cbftw.blogspot.com), algo de verdadeiramente inovador.

Porque este soldado começou a escrever um blogue quando estava na guerra do Iraque para “enfrentar os acontecimentos absurdos e assustadores que o rodeavam” e foram os seus leitores que lhe deram força para continuar. Tudo teria sido diferente se ele tivesse escrito um diário de guerra que depois fosse publicado em livro quando regressasse aos EUA. O feedback não seria o mesmo e perderia força.

A sua visão era diferente da posição oficial da Administração Bush e à medida que a popularidade do blogue aumentou ele tornou-se uma espécie de “embedded reporter” que o exército norte-americano não conseguia controlar, até o terem proibido de publicar posts. Mas o blogue já estava lançado e até o escritor Kurt Vonnegut escreveu-lhe uma carta a dizer que era seu fã.

Ficção em maioria

Segundo a “Publishers Weekly”, a organização do Lulu Blooker Prize recebeu 110 candidaturas, mais 25 por cento do que na primeira edição.

Peter Freedman, da Lulu.com, patrocinadora do Prémio, disse a esta revista norte-americana que “é óbvio que as grandes editoras que antigamente talvez estivessem pouco atentas à escrita que se ia produzindo online, andam agora a espiolhar blogues e websites para encontrarem o próximo grande autor”.

Na área da não-ficção são ainda finalistas outros livros: “Crashing the Gate”, escrito por dois dos mais populares bloggers norteamericanos, Jerome Armstrong, que fundou o blogue sobre política MyDD.com e Markos Moulitsas, que iniciou o DailyKos.com; e “My Secret: A PostSecret Book”, de Frank Warren, que criou o blogue PostSecret e teve a ideia de convidar desconhecidos a enviarem-lhe postais anónimos que “transformassem em arte os seus segredos mais profundos”.

Frank Warren fazia uma selecção dos postais e publicava-os no blogue. Em apenas um ano o seu blogue tornou-se um dos cinco mais famosos do mundo e foi editado o livro “PostSecret”, um dos bestsellers de 2005. O autor tem agora um segundo título, “My Secret”, que reúne uma colecção de postais, enviados por adolescentes e estudantes, que Frank decidiu não publicar no seu site.

Entre os livros nomeados no género de não-ficção encontram-se ainda “Small Is the New Big: and 183 other riffs, rants, and remarkable business ideas”, de Seth Godin, que já tem vários livros publicados na área da gestão e marketing e cujo lema é “Se a vossa ideia for boa, as pessoas vão ter convosco”; “So Close: Infertile and Addicted To Hope”, de Tertia Albertyn, uma mulher que fez nove fertilizações in vitro para tentar engravidar e que agora escreve sobre os seus gémeos; e, finalmente, “Words in a French Life: Lessons in Love and Language From the South of France”, de Kristin Espinasse, retrato da vida de uma americana com um marido francês e seus filhos na Provença.

Na categoria de banda-desenhada estão três livros a concurso. “Born of Nifty: Sluggy Freelance Megatome 01”, de Pete Abrams; “The Definition of Awesome: Another Joe and Monkey Collection”, de Zach Miller, o premiado desta categoria no ano passado; e “Mom’s Cancer”, de Brian Fies, o relato da luta da mãe de Brian contra um cancro nos pulmões.

Na área da ficção concorrem: “Albert The Third”,de Slim Palmer, um romance com um herói que encontra bruxas e viajantes do tempo; “BreakupBabe: A Novel,” de Rebecca Agiewich, uma mulher a lidar com o fim de uma relação; “Messages from the Lost Continent”, de Horst Prillinger, romance que mistura géneros (thriller, fantasia e ficção científica); “Methuselah’s Daughter”, de J. A. Eddy e Dean Esmay, sobre Zsallia Marieko, uma imortal solitária; “Monster Island: A Zombie Novel”, de David Wellington, cuja acção decorre numa Nova Iorque onde os mortos se passeiam pelas ruas e há um grupo de raparigas transformadas em soldados; e, por fim, “The Doorbells of Florence”, de Andrew Losowsky (www.flickr.com/photos/andrewlos), uma ficção de culto à volta de fotografias tiradas a campainhas de portas.

Esta última ideia é simples, mas funciona de uma forma fantástica e adequa-se perfeitamente ao meio em que foi concebida: a Internet. Losowsky, que agora vive em Madrid, lembrou-se de tirar fotos a campainhas de portas em Florença. Publicou-as no site Flickr (uma espécie de YouTube para fotografias) e, para cada uma delas, escreveu uma pequena história sobre o que se passaria lá dentro, depois de atravessar a porta. Vemos as fotos, clicamos nelas e entramos nas pequenas ficções. Sabem que já surgiu uma nova palavra ligada a estas ficções sobre uma imagem alojada no Flickr? Pois são as Flicktions!

(Artigo publicado no suplemento P2 do jornal PÚBLICO no dia 14 de Maio de 2007)

P.S.- “My War: Killing Time in Iraq”, do soldado norte-americano Colby Buzzell foi o grande vencedor do Lulu Blooker Prize 2007 e também a obra escolhida na categoria de melhor blook de não-ficção, ou, dito de outra maneira, melhor livro de não-ficção que começou num blogue.
O vencedor na categoria de ficção foi o livro “The Doorbells of Florence”, de Andrew Losowsky (www.flickr.com/photos/andrewlos) que escreveu pequenos contos a partir de fotografias de campainhas de portas de Florença e os colocou no site Flickr (criando a palavra flicktion). Já depois do texto publicado fiquei a saber que um dos participantes no projecto “The Doorbells of Florence” era português.
Na categoria de blook de banda desenhada foi vencedor o livro “Mom’s Cancer” de Brian Fies, onde este conta a luta da sua mãe contra um cancro do pulmão (www.momscancer.com).

Deixar um comentário