Caetano Veloso: “Lula surge a meus olhos como uma figura de grandeza histórica e épica”

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Na Casa Fernando Pessoa, hoje ao final da tarde, em Lisboa, Caetano Veloso disse que Lula lhe surge como uma figura de grandeza épica. Foi a inauguração do ciclo Livres Pensadores.

A vinda a Portugal de Caetano Veloso, para falar sobre a obra “Mensagem” e Tropicalismo com o poeta e filósofo Antonio Cícero, fez com que o cantor perguntasse a si próprio como avalia hoje o papel e a influência que a “Mensagem” (e a visão de Agostinho da Silva sobre ela) e Fernando Pessoa (e a visão de Agostinho sobre ele) tiveram na sua música ligeira, nas suas escolhas políticas e no seu pensamento íntimo.

Numa sala superlotada e com uma outra plateia no andar de baixo a ver a sessão num ecrã, Caetano contou também que causou “meio involuntariamente”, há pouco, “um pequeno escândalo no Brasil” por ter aparecido num jornal dizendo que o Presidente era analfabeto.

“Era realmente algo feio de se ver na primeira página do jornal”, disse o compositor brasileiro. “Feio porque primeiro não é verdade factual: Lula não é analfabeto. Segundo, porque esse tom me parecia semelhante ao tom grosseiro que tanto me desagrada na nova direita que faz sucesso nos media”.

No entanto, afirmou Caetano, nem quis corrigir o que lhe pareceu “edição sensacionalista” das suas palavras. “Estava mais interessado em quebrar o tabu de em certas rodas, amplamente maioritárias, estar proibido dizer-se mal de Lula.”

Mas a verdade, continuou o músico e cineasta, é que “à luz tropical do sebastianismo de Pessoa via Agostinho, Lula surge a meus olhos como uma figura de grandeza histórica e épica. Uma grandeza do tipo épico em versos líricos que se encontra em ‘Mensagem’ [quase começa a rir-se]. Sinto ternura, simpatia, amor pelas figuras que pareçam carregar a tocha dessa caminhada em que me descobri implicado desde menino.”

Caetano não imagina com muita facilidade em outro lugar do mundo um Presidente que “nem sequer concorde os artigos com os substantivos que usa, se elegendo e tendo 80 por cento de aprovação”.

“Não imagino nem na Argentina, nem na França, nem nos Estados Unidos, nem em lugar nenhum.” O cantor considera isso um sinal “dessa originalidade brasileira” que vem de, afirmou, “sermos portugueses, de termos sido colonizados dessa maneira que agradou ao Gilberto Freyre.”

O sebastianismo que lhe ficou do acaso de ter nascido no Brasil, falar português e ter sido apresentado a Pessoa e ao que dele disse Agostinho da Silva num momento crucial da sua vida, traduz-se hoje assim: “Ver a imagem do Cristo Redentor do Rio de Janeiro subir como um foguete na capa da ‘The Economist’ na mesma semana em que fui informado de que não poderá haver ‘tournée’ do meu show nos Estados Unidos por causa da enorme desvalorização do dólar. E completar essa trama com a nota de Paul Krugman sobre Obama ter mostrado insegurança em entrevista à Fox News me dá angústia.”

Apenas canto canções ligeiras

O autor da canção “É Proibido Proibir” considera “demasiado simbólico” que Obama seja o primeiro Presidente negro dos Estados Unidos e que ele tenha um nome do meio árabe. E “que ele tenha assumido no momento de desestabilização do império americano e de ameaças ao Ocidente por parte de extremistas muçulmanos só amplia e intensifica essa impressão”.

“O Brasil de Lula, que é o Brasil de Fernando Henrique, o primeiro Brasil realmente após ditadura – já que Collor apenas abriu o mercado e quase destruiu o país – não é só o Brasil do inchaço do Estado.”

Para Caetano, é sobretudo o Brasil da “promessa de ganhar recente poder mundial e apresentar uma maneira nova de exercê-lo, sem a força das armas nem da grana como determinante”.

“Mas como chegaremos a algo assim?”, perguntou o músico. “Se há adultos de nove anos segurando armas pesadas nas favelas e a crueldade da polícia contra os pobres pode ser imensa? E a crueldade dos grupos que detém poderes económicos ilegais mas fortes pode ser infernal?”
“É na coragem do enfrentamento disso que se encontra a nossa tarefa. De minha parte apenas canto canções ligeiras e busco pensar como se exerce essa possibilidade entre nós.”

Amanhã, às 19h00, será projectado o filme “O Cinema Falado”, que Caetano Veloso realizou em 1986 na Cinemateca Portuguesa (Sala Dr. Félix Ribeiro, Rua Barata Salgueiro), em Lisboa. O autor também estará presente.

Publicado em PÚBLICO PT

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10 comentários a Caetano Veloso: “Lula surge a meus olhos como uma figura de grandeza histórica e épica”

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  3. Caetano é genial!! Obviamente ele não estava se retratando…apenas mostrava o “épico” quase tragicômico, o ridiculamente estágio em que chegou essa nação ao elevar esse presidente à categoria de “salvador da pátria”, endeusado…E no entanto apenas é a nova face, após várias plásticas, da nova Direita.
    “à luz tropical do sebastianismo de Pessoa via Agostinho, Lula surge a meus olhos como uma figura de grandeza histórica e épica…”
    Caetano você é dez!!!!!!!!!!!!!!

  4. Bell,

    Esqueci-me de esclarecer mais uma coisa a Kamilla
    Nunca votei em FHC e votei quatro vezes em Lula.
    O povo é sempre sábio.
    Tenho uma breve convicção de que Lula não fará o sucessor, nem mesmo com o uso escandaloso que está fazendo (e fará ainda mais) da máquina pública.

    Sds.

  5. Prezada Bell,

    Permita-me apresentar a Kamilla a herança do governo FHC: Um plano econômico que acabou com a inflação, estabilizou a moeda, ajustou as contas públicas (negociação das dívidas dos estados e a sanção da Lei de Responsabilidade fiscal), pôs o Brasil no rol do mundo e, só para citar o mais vistoso efeito das privatizações (algumas tinham patrimônio negativo e necessitavam de frequentes injeções de capital por parte da União), universalizou o acesso à telefonia e viabilizou o acesso à internet.
    A Lei do Petróleo que acabou com o monopólio da estatal e viabilizou grandes saltos de produtividade. Ao final dos anos 90 a Petrobras recolhia dez vezes mais ao seu fundo de Pensão do que ao Tesouro (a Petrobras servia aos seus funcionários e não ao Brasil).
    Implantação das agências reguladoras.
    Nem o futebol que faz parte da identidade dos brasileiros ficou ileso. FHC sancionou a Lei Pelé que extinguiu a Lei do Passe – antes os nossos jogadores eram escravos dos clubes.
    A reforma do judiciário – Hoje o STF não precisa da permissão do congresso para processar qualquer dos seus integrantes.
    FHC fez a maior transição entre governos já vista até hoje. Os representantes do governo eleito tiveram direito a um gabinete.

    Eu sou brasileiro e sertanejo de Juazeiro-BA.
    Deixo mais um exemplo do que o PT representa e que me parece singular: O atual governador da Bahia, quando deputado votou contra os termos de instalação da FORD, hoje ele diz que os investimentos que estão previstos até o ano de 2015 são mais importantes do que a própria implantação da unidade industrial na Bahia. O PT é assim.
    Aprendi a distinguir o estadista do político bem sucedido. O estadista é um reformador por excelência e toda mudança gera reação por parte daqueles que estão bem aquinhoados – não tem sequer o apoio daqueles que podem vir a se beneficiar – restando somente as pressões para que as coisas fiquem como estão. Maquiavel nos ensina.

    Isabel peço-lhe perdão por esta contenda em seu blogue, mas é que os petistas confundem-se com o que se pode sugerir sobre “verdade absoluta”.
    Sofismas e blefes são os discursos deles. Vivem a vida de forma desesperada à custa do cinismo e do deboche, como se todos os brasileiros fossem assim, como se tudo fosse palanque.
    Até no pensar há de se ter HONESTIDADE.

    Viva Caetano, viva a Bahia e viva a democracia!

    PS.: O filme “Muito além do jardim” talvez expresse mais sobre Lula do que “O Filho do Brasil”.

  6. Isabel: Caetano equivocou-se bastante nessa entrevista, mas concordo com vc que ela é interessante.

    Não existe aqui uma proibição de falar contra Lula, o que chocou muitos e provocou reações até da família de Caetano foi o preconceito do cantor ao chamá-lo de analfabeto. Lula não é bacharel ou acadêmico, mas tem formação sindical e domina o português padrão e o português não-padrão. Caetano, no entanto, volta a criticá-lo por não falar o português padrão sempre. Bom, fiz um post em meu blog explicando isso, gostaria realmente de saber a opinião de vcs portugueses a respeito..

    PS: tb adoro Glauber, Paula Gaetán…

    Abs do Lúcio Jr.

  7. Se mesa farta e posta significa 227 bilhões de dívidas que o Fernando Henrique deixou-nos , ou comércio exterior minúsculo de 2,5 bilhões e dependencia de quase 65% das importações americanas .Ou será que significa juros internos estratosféricos , máquina estatal sucateada , grandes empresas estatais vendidas e a nossa empresa petrolífera(Petrobrás) imobilizada, transformada em terra arrasada .Tem mais , muito mais que você Paulo Assis chama de mesa posta e farta .Tudo ainda está muito vivo na memória do brasileiro .Assim como está vivo que a dívida foi paga pelo governo Lula , que o nosso comercio exterior ultrapassa trilhões de dolares ,e que dependemos muito pouco atualmente do mercado americano(menos de 15%) porque o mercado externo passou a ser totalmente diversificado e para todos os continentes . Quanto a Petrobrás , que o “distinto” Fernando Henrique sucateou para vender , hoje é a quarta maior empresa do ramo petrolífero do mundo .Posso dizer mais , muito mais , sobre a tal mesa posta e farta , mas basta .Se você é brasileiro , já sabe disso, se não , um dia quem sabe acabará sabendo mais .

  8. Caetano é um mestre da língua portuguesa. É exato!

    Quanto às suas posições políticas é só seguir o pensamento dele “É na coragem do enfrentamento disso que se encontra a nossa tarefa. De minha parte apenas canto canções ligeiras e busco pensar como se exerce essa possibilidade entre nós.”

    Eu compreendi de certa forma a sua posição. as vezes a gente se sente angustiado com este culto à Lula. Lula não inventou o Brasil, nem mesmo o contemporâneo. Encontrou mesa posta e com farta refeição como bem o disse The Economist ao referir-se ao “big favour” de Cardoso.
    Há horas em que é preciso ir de encontro a esta onda Lula, mas é necessário compreender a originiladide da epopéia de Lula e os avanços que ela representa.

    Viva Caetano!

  9. “Caetano Veloso disse que Lula lhe surge como uma figura de grandeza épica”

    Olha, quando quiserem internar o Caetano, por mim já está liberado…

    Ele já perdeu a noção de realidade faz tempo, mas dessa vez se superou: perdeu também a noção de significado de algumas palavras. Grandeza histórica? Épica? Lula?!?!

    O pior é ir à Portugal dizer essas coisas absurdas (e que se passam apenas na imaginação dele, completamente desconectada da realidade), e que alguém acabe acreditando!

    Por isso as universidades brasileiras acabam transformando as pessoas em idiotas ou alienados. No meu primeiro semestre de Letras (UFRJ), a apostila de “Teoria Literária” tinha apenas “letras” de músicas do Caetano e Chico Buarque. Vejam: teoria literária!

    Que o Caetano faça alguma música, não tem jeito, temos que aturar, pior: somos quase forçados a cultuá-lo desde as escolas e faculdades, sabe-se lá porque (sabemos sim, mas…). Agora, o cara afirmar o avesso das coisas?!

    Na verdade, Caetano é um falso mito que nos empurram goela abaixo.

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