De chorar por mais

caderno

Ciberescritas

Isabel.Coutinho@publico.pt

Foi ao som da velhinha canção “Dança mas não encosta” de Linda Batista (1940) que andei a vaguear pelo portal do Instituto Moreira Salles (IMS). Era a música do dia. Este instituto sem fins lucrativos foi fundado, em 1990, pelo embaixador e banqueiro Moreira Salles (1912-2001) e possui um importantíssimo acervo fotográfico (550 mil fotografias), musical (100 mil músicas) e ainda uma biblioteca (400 mil itens) e uma pinacoteca (mais de três mil obras).

Na área editorial, além de livros e catálogos de arte, publica também a série Cadernos de Literatura Brasileira e a revista de ensaios “Serrote”. Três das edições destes prestigiados Cadernos foram dedicados a Euclides da Cunha, Clarice Lispector e Carlos Heitor Cony.

E neste portal, agora inaugurado, podemos ter acesso à descrição de cada caderno, a uma cronologia de cada escritor, a uma secção intitulada “geografia pessoal” onde se podem ver fotografias publicadas em cada uma destas edições.

Estão lá também testemunhos. É magnífico o texto “Clarice” por Ferreira Gullar (“ela parecia uma loba- uma loba fascinante.(…) Saí dali meio atordoado, com aquela imagem de loba na cabeça. Imaginei que, se voltasse a vê-la, iria me apaixonar por ela”) e também o de Ruy Castro sobre Heitor Cony – Ruy nunca deixou de “cobrar” ao amigo ter ficado tantos anos sem publicar depois de “Pilatos”.

Podemos ler dois poemas inéditos de Euclides da Cunha e ver imagens dos manuscritos de “A Hora da Estrela” de Clarice Lispector.

Mas quanto mais se vagueia, mais preciosidades se encontram. Como o espólio da poeta Ana Cristina Cesar (1952 1983) está no IMS, uma das secções do “site” é-lhe dedicada. Além de se poderem ler excertos da sua correspondência, temos acesso a leitura de poemas (Eucanaã Ferraz lê o poema “A teus pés”, Antonio Cícero lê “Inéditos e Dispersos”).

Outro espólio do instituto é o de Lygia Fagundes Telles. Numa entrevista, a escritora conta: “Eu sempre digo que comecei a escrever antes de saber escrever. Não é charminho de escritor, não. Falo assim porque antes de ser alfabetizada eu já contava histórias. Eram histórias que eu ouvia das minhas pajens. Essas pajens eram moças desgarradas que minha mãe arrebanhava. Eu gostava disso, uma coisa meio medieval, de princesa, ter pajem. Pois bem: eu comecei contando para as outras crianças as histórias que ouvia das pajens. Mas sempre mudava um pouco o que tinha escutado e, quando repetia, mudava de novo.”

E como se não bastasse a própria lê excertos das suas obras (“As Formigas” e “A estrutura da bolha de sabão”).

Maravilhoso.

É impossível não se ficar rendida à obra do fotógrafo Marcel Gautherot, nomeadamente às fotografias que fez a pedido de Oscar Niemeyer da construção da cidade de Brasília.

Todas as terças-feiras ficam disponíveis novidades na Rádio IMS onde se ouvem raridades da música brasileira do acervo do instituto. Agora está Carmen Miranda a cantar Dorival Caymmi e a dizer “quando você se requebrar caia por cima de mim”.

Só falta este aviso: quando se entra no “site” do Instituto Moreira Salles dificilmente se tem vontade de sair de lá. Não se sente o passar das horas.

Instituto Moreira Salles

http://ims.uol.com.br

Euclides da Cunha

http://ims.uol.com.br/hs/clb/clbeuclides/clbeuclides.html

Clarice Lispector

http://ims.uol.com.br/hs/clb/clbclarice/clbclarice.html


Carlos Heitor Cony

http://ims.uol.com.br/hs/clb/clbcony/clbcony.html

(crónica publicada no Ípsilon de 30 de Outubro de 2009)

Um comentário a De chorar por mais

Deixar um comentário