Ai que bom é O Cheiro do Ralo

Ciberescritas

Isabel.Coutinho@publico.pt

Finalmente li “O Cheiro do Ralo” do brasileiro Lourenço Mutarelli. E como já esperava, valeu bem a pena. Quem primeiro me falou deste escritor, autor de banda desenhada e actor, foi Marçal Aquino quando esteve em Matosinhos a participar no 4º Encontro Internacional Literatura em Viagem. O autor de “Cabeça a Prémio” é também argumentista e foi graças a ele que esta obra foi adaptado ao cinema no Brasil. Aquino recomendou a sua leitura ao realizador Heitor Dhalia que comprou os direitos para adaptação do livro ao cinema e realizou o filme.

Em 2002, Lourenço Mutarelli (São Paulo, 1964) depois de ter publicado nove livros de banda desenhada e de ser um dos autores de BD mais premiados no Brasil publicou o seu primeiro romance: “O Cheiro do Ralo”. Escreveu-o de rajada, durante cinco dias, num Carnaval em que estava sozinho.

Chico Buarque, durante a conversa que teve com Milton Hatoum e Samuel Titan Jr. na Festa Literária de Paraty, em Julho, disse que “a literatura hoje em dia não precisa de se alimentar somente de literatura”. Contou que há uns cinco, seis anos, tinha lido “O Cheiro de Ralo” de Mutarelli e que o romance “era muito bom”. Gostou muito do livro e percebeu que era “muito bom e muito novo” porque Lourenço Mutarelli é um autor de BD. Aquele só podia ser um livro escrito por um autor de “quadrinhos”. “[No romance] Há um sujeito atrás de um balcão naquela loja maluca e aparece um tipo, aparece um outro, e é muito bom que ele tenha trazido isso para a literatura. Isso é bom para a literatura. Eu acredito.”, afirmou.
É claro que esta declaração de Chico Buarque fez com que dias depois, quando se tentava comprar o livro no Rio de Janeiro, não se conseguia. Esgotou e na Livraria da Travessa chegaram a dizer: “Desde que Chico falou no livro tem sido uma correria.”

“O Cheiro do Ralo” tem 140 páginas que se lêem tal como foi escrito, num repente. Risos, surpresa, indignação, irritação, excitação, pena, todos estes sentimentos surgem durante a sua leitura. Estamos a ler um romance e parece que estamos a ler poesia. O narrador do livro nunca é identificado, não tem nome. Passa parte da sua vida atrás do balcão numa loja de penhores e quando os clientes atravessam a porta, já ele está a pensar como os vai tramar. Na sua loja há um problema, um cheiro insuportável surge da fossa da casa de banho, do ralo entupido. Um cheiro tão insuportável que atravessa os diálogos do livro do princípio ao fim. O narrador tem também uma obsessão por uma determinada “bunda”, o rabinho perfeito de uma empregada de um restaurante onde ele costuma ir almoçar só para ir espreitar “a dona bunda”. Arnaldo Antunes leu o livro antes da sua publicação e na badana o livro diz que achou engraçado a “gente ir participando e mesmo torcendo pelo narrador, mesmo sendo ele meio detestável.”

“ ‘O Cheiro do Ralo’, em síntese, é a história da busca. Fazendo justiça ao título, os caminhos trilhados pelo protagonista só serão percorridos se o leitor tiver a capacidade de suportar o odor. “, lê-se no site oficial de Lourenço Mutarelli onde podem ser visualizadas quatro páginas do livro em PDF. “O ‘protagonista’ é, de repente, magnetizado por uma característica física de uma das personagens que o deixa completamente obcecado. Essa será sua busca, em síntese, esse será o enredo. O ‘protagonista’ é um homem calvo, beirando os quarenta anos e muito semelhante a um actor de comercial de televisão. Dono de um estabelecimento de compra e venda de artigos usados, diverte-se humilhando os humilhados e ofendendo os ofendidos.”

Enquanto se espera que algum editor português resolva editar por cá esta obra de Mutarelli podemos ver no site da revista brasileira “Piauí” o diário ilustrado que o escritor fez durante um mês a pedido dos editores da revista: “Acordei irritado. Os gatos parecem cinco macacos. Tenho que ir ao banco pagar uma dúzia de contas.” São coisas assim.

E quem quiser saber mais sobre o trabalho de Mutarelli pode ir assistir a “Corpo Estranho” no projecto na Internet de Renata Jesion. A actriz faz peças de teatro na sua sala de estar, são filmadas e transmitidas na Internet, o dramaturgo Mutarelli escreveu Corpo Estranho e o sucesso foi tanto que já está na segunda temporada. É a história de uma mulher abandonada pelo marido.

Lourenço Mutarelli
http://www.mutarelli.com.br/mutarelli/

O filme
http://www.ocheirodoralo.com.br/


Diário em BD na revista Piauí

http://www.revistapiaui.com.br/edicao_35/artigo_1104/Rotina_em_nanquim.aspx

Corpo Estranho
http://www.teatroparaalguem.com.br/

(Crónica publicada no suplemento Ípsilon de 21 de Agosto de 2009)

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