“Cara Isabel, esperamos que ache isto fantástico e prático”
Isabel Coutinho
São sete da manhã, o despertador toca, olho pela janela e vejo os arranha-céus de Nova Iorque. Ainda ensonada, estico o braço e agarro o fino e leve aparelho, com as dimensões de um livro de bolso, pousado ao lado da cama. É um Kindle.
Arrasto o botão para ligar este e-book reader, comercializado pela Amazon.com nos Estados Unidos, e em menos de um minuto estou a ler os jornais da manhã. Primeiro leio a edição do The New York Times, depois passo os olhos pelos títulos do The Washington Post, salto para os blogues da Salon e da Vanity Fair. Acabo a ler a revista The Atlantic. Ainda não saí da cama, nem sequer coloquei um pé no chão, e já despachei os jornais da manhã e a leitura de alguns blogues.
Mais tarde, quando vou a sair para a rua, enfio o Kindle na carteira. Coloco os auscultadores nos ouvidos e dirijo-me para o metro. Há um artigo na The New Yorker que não li até ao fim. Por isso, durante o percurso a pé, ligo a função text-to-speech no Kindle posso optar por voz masculina ou feminina e a máquina, através de um programa de reconhecimento de texto, acaba de me ler o artigo que deixei a meio.
No metro, volto à leitura com os meus próprios olhos e ouço música clássica com os auscultadores. Num outdoor, vejo o anúncio ao novo livro de Patricia Cornwell, Scarpetta. Fico com uma enorme vontade de o comprar.
Em poucos minutos, sentada na esplanada onde tomo o pequeno almoço, pego no Kindle, acedo à loja on-line da Amazon.com e, por 9,99 dólares (sete euros), descarrego esse e-book.
No dia seguinte, saio de casa sem o Kindle. Apetece-me continuar a ler o policial Scarpetta … e não é que o leio? Tenho-o no meu iPhone, o telemóvel da Apple.
Abro o e-book: está na página onde abandonei a sua leitura no Kindle.
Graças à aplicação Kindle (que fui buscar gratuitamente à loja iTunes norte-americana e que também funciona no iPod Touch), tenho a leitura dos livros que comprei em formato electrónico sincronizada nos dois dispositivos.
Isto não é ficção científica.
É uma história verdadeira, mas que deixa de ser possível quando saímos dos Estados Unidos. Este aparelho utiliza uma rede 3G como as utilizadas pelos telemóveis para se ligar através de wireless à loja on-line da Amazon.com e transferir e actualizar conteúdos. Esta ligação sem fios só funciona no território norte-americano.
A primeira vez que vi um Kindle foi no ano passado na Book Expo America, em Los Angeles, quando o fundador e director executivo da Amazon.com, Jeff Bezos, estava a dar uma conferência sobre o aparelho que a sua empresa lançou nos EUA em Novembro de 2007. Eu estava sentada na plateia, rodeada de pessoas com o Kindle no regaço. O aparelho nessa altura não me convenceu. Apesar de ser o único e-book reader disponível no mercado que não precisa de estar ligado a um computador para lá se inserirem conteúdos, era um objecto muito feio. Ao seu lado, o leitor de livros electrónicos Sony Reader que já está à venda em alguns países da Europa parecia uma maravilhosa peça de design.
Em Fevereiro deste ano, tudo mudou. A empresa norteamericana lançou um novo modelo o Kindle 2, que tenho aqui à minha frente, e mais recentemente está a comercializar e a testar entre estudantes universitários o Kindle DX, que tem um ecrã maior, maior capacidade de armazenamento e deixa que para lá se copiem PDF.
O Kindle 2 deixou de ter aspecto tosco (de costas, até parece um produto da Apple): a posição das teclas mudou, tem um novo mini-joystick que se desloca em várias direcções e tem as funções de um rato, o ecrã a preto e branco passou a ter 16 tons de cinzento, a passagem de uma página para a outra é mais rápida (embora ainda fique com o ecrã a preto uns segundos, fica menos tempo que o seu concorrente Sony Reader) e dá para guardar 1500 livros.
Tem menos de um centímetro de espessura (0,91cm), as dimensões de 20 cm por 13 cm e pesa 289 gramas.
Lê livros em formato Kindle (AZW, uma variante de HTML), Mobipocket (se não tiverem DRM Digital Rights Management) e Text (TXT). Lê também fi cheiros Word, PDF, JPEG, PNG, BMP, HTML, mas só se forem enviados para o Kindle por e-mail depois de convertidos pela Amazon (este serviço não é grátis se for utilizado o envio para o aparelho através da Whispernet, que funciona com a rede 3G).
O Kindle traz o dicionário New Oxford American incorporado (o que dá mesmo jeito), permite que se escrevam notas nos livros com a ajuda do miniteclado (demasiado pequeno para os dedos masculinos), permite que se aumente o tamanho de letra até seis vezes (mais do que se pode fazer no Sony Reader), pode-se fazer uma bookmark (virar um canto da página) quando se está a ler um livro ou sublinhar partes do texto. Durante a leitura das revistas e jornais, temos a função Clip This Article, que guarda artigos seleccionados num documento à parte em formato de textos e que podemos copiar para o computador. Os jornais ficam arquivados no Kindle durante uma semana e depois desaparecem, a não ser que se clique na função Keep This Issue.
Mas a função que me deixa fascinada é o text-to-speech, que permite a leitura dos livros, jornais, blogues através de um programa de reconhecimento de texto. O Kindle é assim um e-book reader que permite a leitura de livros até a quem não souber ler ou aos invisuais. Como houve polémica (assim, um livro em formato impresso passa a ser também um audiolivro sem se pagar mais por isso), essa função só existe nos livros em que os editores o permitem.
À experiência (e ainda muito incipiente) está a função de ligação à Web. Ao ler um blogue, pode clicar-se em links e consultar a Wikipedia. A bateria do Kindle aguenta-se quatro dias se a função de rede sem fios estiver ligada e duas semanas se estiver desligada.
Alguma paranóia
Quando se compra um Kindle, não se compra só um Kindle. Para que o ecrã deste leitor de livros e jornais em formato electrónico não se risque, compra-se uma capa. Existem na loja on-line da Amazon.com disponíveis em vários feitios, diferentes materiais e preços. Protegem nas quedas e evitam que o ecrã do Kindle fique riscado quando transportado dentro de uma carteira. Embora fique mais pesado, com uma capa o Kindle até parece um livro! Depois pode acontecer que um acessório que é um pequeno candeeiro e funciona a pilhas nos pareça imprescindível para as leituras nocturnas. O Kindle tem um ecrã que utiliza a tecnologia e-ink (tinta electrónica) e por isso permite uma leitura muito aproximada da experiência do papel impresso. É fantástico estar a lê-lo sentada num banco de jardim com a luz do sol a incidir em cima. Mas como o ecrã não é retro-iluminado, precisamos de luz para ler, tal como acontece durante a leitura de um livro em papel.
Conclusão: 359 dólares (258 euros) pelo Kindle, 30 dólares pela capa (21 euros), 20 dólares (14 euros) pela luz. A que falta acrescentar taxas e portes. Ainda não se começou a gastar dinheiro em livros ou em assinaturas de jornais, revistas ou blogues para se lerem no Kindle e o orçamento já vai em 400 dólares.
Conclusão mais refinada: o Kindle não é barato. Por isso, qualquer felizardo dono de um Kindle anda sempre com o coração nas mãos. Tem medo que o Kindle lhe caia ao chão e não resista ao choque. Tem medo que o Kindle apanhe chuva ou que lhe caia água em cima (se isso acontecer, tem que se desligar imediatamente o aparelho e só voltar a ligar quando estiver completamente seco). Tem que o proteger do frio e do calor extremo (nunca o pode abandonar na mala de um carro!). Tem medo que o Kindle avarie e não esteja dentro da garantia de um ano. Tem medo de se esquecer do Kindle em qualquer lado. Tem medo que lhe roubem o Kindle com a biblioteca lá dentro… Um dono de um Kindle arrisca-se a ficar paranóico.
Mas, apesar de tudo isto, quando se tem um Kindle nas mãos mais do que cinco minutos fica-se apaixonado por ele. Tornamo-nos groupies. Não queremos mais saber dos outros leitores de e-books.
Damos por nós a desejar que todos os livros que queremos ler estejam editados em formato que seja lido no Kindle. Foi isso que me aconteceu. Fiquei rendida aos encantos do Kindle a partir do momento em que abri o pacote da Amazon.com e ali estava ele. Não o trocava por outro. Ou melhor, trocava por um leitor igual, com ecrã táctil, caneta e que fosse a cores.
A carta de Jeff Bezos
No dia 27 de Maio de 2009, dois dias depois de ter feito a encomenda, o Kindle foi-me entregue na minha morada em Nova Iorque. Para o encomendar, precisei de ter uma conta na loja da Amazon.com e de ter uma morada de residência nos Estados Unidos.
O Kindle não é comercializado nem enviado para fora dos EUA, os livros só podem ser comprados com um cartão de crédito norte-americano com morada americana ou então com Amazon gift cards.
Logo de manhã, chegou uma pequena embalagem de cartão que abri facilmente, sem precisar de utilizar objectos cortantes. Fácil é uma palavra essencial quando se fala do Kindle. É fácil abrir a caixa de cartão pelo picotado, é fácil manusear o aparelho, é muito fácil e muito rápido comprar livros.
Sem complicações, sem fios, sem ligações a computadores, sem passos absurdos na loja on-line.
Dentro de uma pequena caixa preta, vinha acondicionado o Kindle, um livro de instruções e o carregador de bateria com ficha USB.
Arrastei o botão para ligar este e-book reader e tive uma surpresa.
No ecrã, a preto e branco, li: “Welcome Isabel”. No Kindle, acabadinho de comprar, estava à minha espera uma carta de Jeff Bezos. “Cara Isabel, o Kindle é um tipo totalmente novo de aparelho e estamos contentes por a ter como um dos nossos primeiros clientes. Sugiro-lhe que primeiro vá explorar a loja Kindle a partir do aparelho, basta que clique no menu e seleccione a opção Comprar na loja Kindle. Pode descarregar o primeiro capítulo de todos os livros de graça, e quando fizer a assinatura de jornais, revistas e blogues pode desfrutar de duas semanas, à experiência, sem pagar. Assine o seu jornal ou blogue favorito e vai ver que o jornal chega através da rede sem fios ao seu aparelho enquanto está a dormir e que os blogues são actualizados ao longo do dia.
Compre um livro e ele vai ser descarregado automaticamente em menos de um minuto no seu Kindle esperamos que ache isto fantástico e prático.” O dono de um Kindle transforma-se rapidamente num viciado, levando-o para todo o lado.
Arrisca-se a comprar livros compulsivamente. Na loja on-line da Amazon.com estão disponíveis mais de 311 mil títulos em língua inglesa em formato Kindle, que incluem quase todos os livros que estão na lista de best-sellers do The New York Times, 40 jornais, 31 revistas e 5900 blogues. Nem todos os e-books estão a ser vendidos aos tais 9,99 dólares, alguns têm o mesmo preço que o livro impresso (muitos editores e autores norte-americanos estão contra os preços baixos praticados pela loja) e outros podem ser mais baratos ou grátis (se estiverem em domínio público). Há pouca poesia, muitos best-sellers e algumas das biografias que eu queria comprar ainda não estão disponíveis em e-book para o Kindle, como Gabriel García Márquez: A Life, de Gerald Martin (que, quando estiver, vai custar 22,28 dólares em e-book, muito próximo do preço em papel). Mas já estava Cheever A Life, de Blake Bailey, ou A Writer’s Life, de Gay Talese.
Fiz então a assinatura mensal do The New York Times para ler no Kindle. Custa-me 13,99 dólares por mês. Apesar de ter todos os conteúdos, quase não tem fotografias ou gráficos e vejo tudo a preto e branco. Isto não acontece no Times Reader 2.0, a versão deste jornal para se ler no computador, cuja assinatura custa 3,45 dólares por semana. Mas no Kindle posso ler o jornal em qualquer lado.
E quando se sai dos Estados Unidos, onde a rede 3G sem fios não funciona, fica-se com um aparelho morto? Não. Quem está em viagem, pode ligar o Kindle a um computador (Mac ou PC) através do cabo USB incluído e copiar para lá os livros e edições de jornais que, através da Internet, comprou e descarregou.
Basta arrastar os ficheiros para a pasta Documentos do Kindle.
É também assim que é possível copiar ficheiros áudio MP3 para a pasta Música e copiar audiolivros comprados na Audible.com.
O que se perde? Aquela maravilhosa sensação de se ler os jornais da manhã sem tirar o pé da cama.
Um dia não se sabe quando, a Amazon não revela, o Kindle vai ser lançado na Europa.
(Texto publicado no suplemento P2, do jornal PÚBLICO no dia 30 de Junho de 2009)
Nota: Este texto foi tema de umas das crónicas do Provedor do Leitor do PÚBLICO. Quem quiser pode aceder ao texto aqui.
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VOCE SAO NERTIS DE MAIS ,,,,,,,,
António,
eu aconselho a comprar o aparelho numa viagem que faça aos Estados Unidos para ainda lá o ligar e fazer as subscrições de tudo o que quer. Eles enviam para a morada do hotel. Depois para conseguir comprar os livros fora dos Estados Unidos tem que usar gift cards. Mas está tudo explicado a partir deste link
http://www.ciberescritas.com/?p=4143
Isabel
Gostaria de saber como arranjar a morada e cartões nos USA. Obrigado!!
A Isabel e a maior divulgadora de situ relacinadas com livro,q conheço…
Continuie…Parabens pela cultura e inteligencia…A proposito eu leio pouco,fora do meu dominio…Sorry!
Carlos,
enviei para o seu email as informações que me pediu.
Isabel Coutinho
acabei de ler e ,vou confessar, estou cheio de inveja!!!!
Como é que posso arranjar a tal morada e cartões nos USA?
Carlos