Ciberescritas
Isabel.Coutinho@publico.pt
Chico Buarque está refastelado num cadeirão de couro preto, calças de ganga, “t-shirt” azul-bebé, nas mãos um exemplar do novo romance, “Leite Derramado” (ed. Companhia das Letras), e lê para nós em voz alta. “Quando eu sair daqui vamos começar vida nova (…)”.
Neste vídeo, um “booktrailer” que a editora brasileira fez para promover o livro, vê-se ao fundo uma planta (verde, muito verde). O livro tem uma capa branca. O músico e escritor brasileiro olha para nós por trás dos óculos. Continua a ler.
Nessa sua leitura, Eulálio – o narrador de “Leite Derramado”, velho doente e com mais de 100 anos -, está a falar de Matilde. Se desejo era aquilo que sentiu por Matilde, pode dizer-se que antes dela, Eulálio (nome vindo de um tetravô português) era casto. Eulálio, através de Chico, conta-nos que foi o pai que lhe apresentou as mulheres em Paris. Contudo, mais do que as francesas o que sempre impressionou Eulálio foi o olhar do pai para essas mulheres.
A narrativa continua: debaixo de um chuveiro Eulálio olha o seu corpo quase com medo. “Olhando o meu corpo tive a sensação de possuir um desejo potencial equivalente ao dele [de seu pai], por todas as fêmeas do mundo, porém concentrado numa só mulher”, continua a ler Chico. E assim termina a leitura. Final do vídeo.
Foi em Janeiro deste ano que Chico Buarque terminou o romance que chegou às livrarias brasileiras no início desta semana com uma tiragem de 70 mil exemplares. Está disponível em duas capas diferentes, o leitor pode comprar a branca ou a cor de laranja.
Depois de “Benjamin” (ed. Presença), “Estorvo” e “Budapeste” (Dom Quixote) Chico Buarque regressa com uma saga por onde passa “a história do Brasil dos últimos dois séculos”. Quem o diz é a crítica literária e professora universitária Leyla Perrone-Moisés na badana do livro. Esse texto está disponível no “site” que a Companhia das Letras criou para promover “Leite Derramado”, onde também se pode ver o vídeo de Chico a ler o seu livro. Bem como descarregar o primeiro capítulo do romance ali disponível em versão PDF (não é o mesmo capítulo que Chico lê no vídeo).
A ideia para o enredo surgiu a Buarque quando estava a ouvir uma das suas canções, “Velho Francisco”, interpretada por Mônica Salmaso: “Hoje é dia de visita/ Vem aí meu grande amor/ Hoje não deram almoço, né/ Acho que o moço até/ Nem me lavou”) lê-se num artigo da revista “Época”. Eulálio, o aristocrata carioca, está na cama de um hospital público a recordar a sua vida e baralha as suas memórias. Também diz a “Época” que Chico se baseou em amigos do seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, para construir a personagem.
Há dias o escritor João Paulo Cuenca enviou através do Twitter o seguinte aviso: “o livro do Chico é ‘del gran carajo’. Mas façam-se o favor de não olhar nenhuma resenha ou matéria antes de ler.” No Facebook, outra rede social, já há grupos de fãs. No “site” que a Companhia das Letras abriu para promover o livro podem ler-se opiniões dos leitores. “Não vamos chorar pelo Leite Derramado. Vamos, de novo, nos encantar com a novíssima literatura buarquiana”, diz a leitora Iuri Oliveira Andrade.
Estar a um oceano de distância do Brasil e ficar a saber tudo isto em tempo real (na altura em que o romance é publicado sem ter que esperar pela edição da Dom Quixote em Portugal) é um dos pequenos prazeres que a Web 2.0 nos dá.
Leite Derramado
http://www.leitederramado.com.br/wordpress/
Companhia das Letras
http://www.companhiadasletras.com.br/
Chico Buarque
http://www.chicobuarque.com.br/
(crónica publicada no suplemento ípsilon de 3 de Abril de 2009)
Depois de ler Budapeste fico com água na boca por este. Chamo atenção para Safari Chinês que sairá brevemente na Dom Quixote…