Todos nós (pelo menos os mais curiosos), já reparámos que há cegonhas-brancas que, ao contrário do normal, não deixam os seus locais de nidificação no inverno e acabam por passar todo o ano nas suas zonas de reprodução. Este fenómeno tem-se observado cada vez mais e parece ir contra a natureza e ciclo de vida desta espécie. Aqui em Portugal, e também em Espanha, este acontecimento é ainda mais notado, já que as populações do norte da Europa acabam por fazer uma viagem mais curta e ficar por terras ibéricas.
Interessa então perguntar o porquê disso acontecer.
A principal razão parece estar relacionada com a cada vez maior abundância de alimento. Sendo uma espécie com um grau de adaptação notável e um oportunismo bastante elevado, a existência de lixeiras e aterros a céu aberto proporciona, a esta ave, uma grande e confiável fonte de alimento durante todo o ano, embora nem tudo sejam vantagens como já abordado num texto anterior neste blogue (http://blogues.publico.pt/cegonhasnaweb/2015/02/12/as-cegonhas-tambem-comem-comida-de-plastico/). Por outro, o lagostim-vermelho da Louisiana (Procambarus clarkii), espécie exótica que se propagou nas massas de água portuguesas ao longo dos últimos 40 anos e que apresenta uma abundância bastante elevada, proporciona também uma grande quantidade de alimento às cegonhas.
Com tudo isto, a população europeia e ibérica de cegonhas brancas já começa a ser apelidada de “Winter Storks” (cegonhas de inverno), visto que se podem observar durante todo o ano, o que há algumas décadas atrás seria impensável. Por exemplo, e segundo a Universidade de East Anglia no Reino Unido, o número de cegonhas que passa o inverno em Portugal cresceu de 1180 em 1995 para mais de 10000 em 2008 e os números continuam a crescer.
De modo a compreender melhor este fenómeno, a mesma universidade, com a colaboração de cientistas portugueses, encontra-se de momento a estudar os movimentos destes animais e a sua permanência na Península Ibérica e as razões que levam a que estes não migrem para África. Outro objetivo do estudo é o de perceber como é que a construção de aterros cobertos, em que o alimento deixará de estar disponível, poderá influenciar os padrões de migração da cegonha-branca, assim como o seu sucesso de reprodução, distribuição e locais de nidificação.
Tiago Neves, Bioinsight