As cegonhas também comem “comida de plástico” (II)

É sabido que nem todas as cegonhas-brancas presentes na Europa, mais especificamente, na Península Ibérica, migram para África para evitarem as baixas temperaturas invernais, principalmente devido ao facto da disponibilidade alimentar ser constante durante todo o ano, muito por causa da presença de lixeiras a céu aberto um pouco por toda a região ibérica. No entanto, esta fonte de alimentação pode trazer problemas de saúde aos animais.

É este o tema que trazemos, na sequência de um texto anterior já publicado no blogue sobre este assunto (http://blogues.publico.pt/cegonhasnaweb/2015/02/12/as-cegonhas-tambem-comem-comida-de-plastico/).

Num estudo muito recente, uma equipa de investigadores (Gilbert et al., 2016), entre os quais investigadores portugueses do instituto Superior de Agronomia, seguiram através de GPS, 17 cegonhas-brancas durante aproximadamente 9 meses, de modo a perceber a extensão e a consistência de utilização de lixeiras por parte das mesmas durante a época de reprodução e fora da reprodução. Os resultados mostram que as cegonhas se deslocam a lixeiras por vezes a várias dezenas de quilómetros de distância ao seu ninho! Estes movimentos ocorrem durante todo o ano, ainda que na época de criação de desloquem menos tempo e menos longe. Os dados GPS obtidos permitiram ainda concluir que estas cegonhas não migraram na época invernal e uma das razões que pode levar a esse comportamento será a disponibilidade de alimento presente nas lixeiras, que em alturas de maior escassez de alimento “natural”, se desloca a estes locais. Este estudo vem assim corroborar as observações feitas anteriormente. Infelizmente, este comportamento potencia a ingestão de alimentos contaminados.

Aliado a essa questão, uma equipa de cientistas espanhóis (De la Casa-Resino et al., 2015) analisou crias de cegonha-branca de colónias na Estremadura, procurando pela eventual presença de contaminantes como poluentes orgânicos persistentes (POP), mais especificamente pesticidas organoclorados (na sigla inglesa – OCP) e bifenis policlorados (na sigla inglesa – PCB). As crias analisadas pertenciam a três colónias diferentes, com diferentes níveis de exposição a poluentes urbanos. Os resultados mostraram que os PCB’s não estão presentes, no entanto, uma grande variedade de inseticidas clorados foi encontrado no sangue dos juvenis de cegonha branca, como por exemplo um metabolito do bem conhecido e mal-afamado DDT, que apesar da sua proibição, se mantém no ambiente e se acumula ao longo da cadeia alimentar.

Contrariamente ao que os cientistas esperavam, a colónia que apresentou a maior concentração de contaminantes era aquela mais afastada de lixeiras e rodeada por prados naturais sem agricultura. Sendo assim, de onde vinham os contaminantes? Os cientistas apontam para o facto de algumas das cegonhas destas colónias ainda migrarem para África, onde o DDT ainda é usado para fins agrícolas e para controlo dos mosquitos portadores do vírus da malária. As cegonhas adultas, passam assim os contaminantes para os seus ovos e as crias, que nascem na Península Ibérica e que apresentam desde o nascimento a presença dos mesmos.

Citando outros estudos, estes cientistas falam também dos efeitos, que a longo termo, estes poluentes podem causar nas aves, como uma diminuição da taxa e reprodução, já que os ovos se tornam mais frágeis, com a casca mais fina e quebradiça. Outros problemas mais extremos podem incluir a feminização dos machos, a redução do número de ovos por postura, alteração do comportamento e deficiência dos embriões, já que estes compostos acabam por atuar sobre o sistema endócrino, alterando a regulação hormonal.

A fonte destes contaminantes presume-se ser a alimentação das cegonhas à base de pequenos roedores, minhocas e anfíbios, tornando as crias de cegonha, um bom bioindicador da presença ou ausência destes poluentes.

Estes dois estudos, apesar de parecerem distintos, mostram-nos como esta espécie é altamente adaptável e alimenta-se onde conseguir, principalmente em alturas de maior escassez. O risco de contaminação parece também ser elevado não só nas cegonhas que se alimentam em lixeiras na Península Ibérica, mas também naquelas que migram para África. A cobertura de aterros e lixeiras definida pelas diretivas europeias poderão assim, ter um impacto nas populações de cegonhas, sejam eles positivos pela diminuição da ingestão de alimento contaminado, quer negativo, pela diminuição da disponibilidade alimentar imediata.

Tiago Neves, Bioinsight

Bibliografia:

Gilbert, N. I., Correia, R. A., Silva, J. P., Pacheco, C., Catry, I., Atkinson, P. W., … & Franco, A. M. (2016). Are white storks addicted to junk food? Impacts of landfill use on the movement and behaviour of resident white storks (Ciconia ciconia) from a partially migratory population. Movement Ecology, 4(1), 1.

De la Casa-Resino, I., Hernández-Moreno, D., Castellano, A., Pérez-López, M., & Soler, F. (2015). Chlorinated pollutants in blood of White stork nestlings (Ciconia ciconia) in different colonies in Spain. Chemosphere, 118, 367-372.

A Primavera está à porta e com ela a época de Reprodução!

Como é do conhecimento dos leitores do Blogue, em janeiro foi realizada uma ação de manutenção do ninho que temos seguido na Câmara 1, do casal Sebastião e da Bia. Este processo foi levado a cabo já que o ninho apresentava um volume e peso que estavam a comprometer a sua integridade e a segurança dos seus ocupantes.

Devido à diminuição do volume do ninho, como consequência da intervenção, o casal de cegonhas-brancas que acompanhamos tem estado nos últimos tempos muito atarefado na sua reconstrução, de forma a ter tudo pronto para começar a época de reprodução que se avizinha.

As cegonhas têm trazido para o ninho essencialmente material vegetal (musgo, palhas, ramos, etc.) que podem recolher a mais de 500 metros do ninho! A diferença no volume do ninho, desde as ações de manutenção em janeiro, é bastante notória, ainda que só tenha passado pouco mais de um mês.

Contamos assim, que esteja tudo pronto para receber as crias nesta Primavera. No Baixo Tejo, a tendência é cada casal de cegonhas coloque 1 a 3 ovos. Esperemos que o casal Bia e Sebastião se reproduza com sucesso este ano!

Nas últimas semanas temos observado comportamentos típicos de acasalamento, como o bater dos bicos e o reforço dos laços entre o casal (com as suas “danças” e movimentos da cabeça de cima para baixo). O comportamento que temos observado nestes últimos dias indica que nesta altura ainda não existem ovos no ninho pois não há indícios de incubação. Assim que coloca o primeiro ovo, a fêmea passa bastante tempo a ajeitá-lo e a rodá-lo com o bico, o que ainda não foi observado no ninho do Sebastião e Bia. Mas o comportamento do casal é bastante auspicioso, a redução do número de cópulas e a presença da Bia no ninho durante grande parte do dia é um bom indicador de que o ovo poderá chegar muito em breve!

Fiquemos atentos, avizinha-se uma época muito interessante!

 

Tiago Neves,

Bioinsight

Outras infraestruturas humanas onde as cegonhas nidificam

É sabido que as cegonhas ao longo do tempo adquiriram uma habituação à presença humana que por vezes nos surpreende. A construção de ninhos em locais relativamente frequentados por pessoas como telhados de casas, torres de igreja e postes de eletricidade (onde se incluem os casais que temos vindo a acompanhar no Ecosfera) é algo que se pode observar em vários locais. Em Portugal, no entanto, esta habituação atingiu há cerca de dois anos um novo patamar. Quem até ao início de 2014 passou na autoestrada A25, na zona de Aveiro, com certeza terá reparado nos cerca de 20 ninhos construídos nas estruturas de sinalização desta via.

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Foto: http://miilay.blogs.sapo.pt/122540.html

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Foto: http://oqueeuandei.blogspot.pt/2010/06/na-transicao-da-a29-para-a25.html

 

 

 

 

 

 

 

Esta é a prova de que este animal se adaptou de uma maneira extraordinária à presença humana, visto que nesta estrada passam milhares de viaturas por dia mas, ainda assim, estas aves escolheram estes locais não só para descansar, mas também para nidificar! A escolha deste local pode-se dever ao grande número de locais de alimentação na zona, visto estar muito próximo da ria de Aveiro, que apresenta uma grande abundância de presas desta espécie. No entanto, verificou-se que os ninhos construídos em plena autoestrada punham em causa a segurança de automobilistas e até das próprias aves, que muitas vezes faziam voos rasantes aos veículos que passavam.

Em janeiro de 2014, a Ascendi, empresa responsável pela autoestrada, procedeu, com o devido acompanhamento do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), à mudança de local dos ninhos, notícia que foi divulgada no Público. Foi construída uma estrutura perto do local onde os ninhos estavam previamente construídos, de forma a que as cegonhas, devido à sua fidelidade ao local de nidificação, os pudessem encontrar facilmente.

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Fotos: http://www.ascendi.pt/noticias/detalhes.php?id=241

Dado que esta espécie regressa sempre aos mesmos locais de nidificação, foi ainda necessário tomar medidas para evitar a constituição de novos ninhos nos pórticos de sinalização localizados sob a via, como publicado pela Ascendi. Esta situação veio reforçar a noção de que as cegonhas-brancas são, sem dúvida, uma espécie de alta resistência e capacidade de adaptação à perturbação!

A zona de Aveiro é uma zona altamente povoada por casais desta espécie e a elevada abundância alimentar faz com que as previsões sejam de aumento do número de animais nidificantes na zona, o que pode aumentar o problema em estruturas como postes de eletricidade e pórticos de sinalização da autoestrada. Importa assim, cada vez mais, acompanhar o desenvolvimento populacional da cegonha-branca e encontrar soluções que permitam a convivência entre animais e as infraestruturas e atividades humanas, sem que isso ponha em risco a integridade física de pessoas e aves.

Tiago Neves, Bioinsight

Ações de Manutenção do Ninho Sebastião e Bia

Os ninhos de aves de grande porte, como é o caso da cegonha-branca (Ciconia ciconia) atingem por vezes grandes dimensões, como resultado da acumulação sucessiva de material que é utilizado para a construção e arranjo do ninho pelo casal que o ocupa ano após ano.

Este aumento progressivo do volume dos ninhos, em particular em intraestruturas humanas, como os postes de eletricidade, pode representar um risco de impacte pelo perigo de colapso do próprio ninho, quando o mesmo se torna demasiado instável. Este impacto pode ser nocivo para o sucesso reprodutor das cegonhas devido a acidentes (pondo em risco as ninhadas), mas o colapso dos ninhos pode ainda levar a danos em edifícios humanos ou a curto-circuitos elétricos.

Nos últimos tempos esta foi uma situação que foi identificada no ninho que temos vindo a acompanhar através do Cegonhas na Web, no ninho seguido pela câmara1 – “Sebastião e Bia”. Foram identificados dois aspetos que colocavam em risco a segurança do ninho em questão (tal como se pode observar na figura abaixo):

  • Desnível da plataforma;
  • Volume excessivo do ninho.

Ninho_Seb&Bia_PreIntervencao2

Assim, durante a última semana de Janeiro realizou-se a gestão e manutenção do ninho, no sentido de contribuir para a conservação do mesmo e retomar as condições de segurança do casal de cegonhas-brancas conhecidas como Sebastião e Bia.

Procedeu-se ao reforço da plataforma onde o ninho assenta atualmente, bem como ao desbaste do ninho. Esta ação, com o objetivo de reduzir o excessivo volume do ninho (os ninhos de grandes dimensões podem pesar várias centenas de quilos!), consistiu na remoção do excesso de ramos que se encontravam na lateral, bem como da limpeza do lixo dentro do ninho e ainda na redução geral do volume da estrutura, através da remoção da base do ninho, tal como se pode ver na figura abaixo. Salvaguardou-se o topo original do ninho, no sentido de promover as melhores condições em termos da utilização por parte do casal de cegonhas-brancas que o ocupa.

As ações de conservação deste ninho foram realizadas no mês de Janeiro, antes do início da época de reprodução desta espécie (tipicamente em Março), de modo a evitar a perturbação ou a comprometer eventuais ninhadas durante esse período critico.

Sabemos que as cegonhas têm uma rápida capacidade de adaptação, pelo que esperamos que nos próximos tempos o casal Bia e Sebastião ande bastante atarefado a compor e a arranjar o ninho, para que este esteja nas melhores condições para a deposição das posturas. E agora em maior segurança!

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Joana Santos, Bioinsight

A Família das Cegonhas

O género científico Ciconia é um dos presentes na família das cegonhas-brancas, a família Ciconiidae. Este género é composto pelos parentes mais próximos das duas espécies de cegonhas presentes em Portugal, a cegonha-branca (Ciconia ciconia) e a cegonha-negra (Ciconia nigra). Além das “nossas” espécies existem ainda mais cinco espalhadas um pouco por todo o mundo.

cegonha de abmin

Cegonha-de-abdim (http://www.arkive.org/abdims-stork/ciconia-abdimii/image-G68210.html)

Uma delas é a cegonha-de-abdim (Ciconia abdimii), que também é uma ave migratória, com o corpo todo preto, exceto o peito, que é branco, e parte da cabeça, que é azul com uma mancha vermelha nos olhos. Esta ave, que vive desde a Etiópia até à África do Sul em pastos, bosques e savanas perto de água, alimenta-se de insetos, pequenos mamíferos, répteis e anfíbios, assim como de pequenos peixes e aves. Felizmente esta cegonha, apesar de ser alvo de caça e de superstições como, por exemplo, a de que sacrificar esta ave trará chuva para terras secas, não se encontra em perigo.

cegonha de pescoço branco

Cegonha-de-pescoço-branco (http://ibc.lynxeds.com/photo/woolly-necked-stork-ciconia-episcopus/bird-side-profile)

O mesmo não se poderá dizer da cegonha-de-pescoço-branco (Ciconia episcopus), que tem neste momento um estatuto de conservação Vulnerável segundo a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas segundo a IUCN (www.iucnredlist.org/), devido principalmente à perseguição humana e à perda de habitat. Esta ave preta com pescoço branco e peito branco e com tons de verde e roxo, ocorre na Ásia, desde a Índia até à Indonésia, estando presente também em África onde ocupa zonas húmidas com árvores.

cegonha stormi

Cegonha-stormi (http://orientalbirdimages.org/search.php?Bird_ID=1265&Bird_Image_ID=25282&p=17)

 

Em pior estado de conservação encontra-se ainda a cegonha-stormi (Ciconia stormi), com estatuto de conservação de Em Perigo segundo a IUCN, estimando-se que o efetivo populacional não ultrapasse os 500 indivíduos, distribuídos em zonas muito específicas de florestas pristinas e habitats dulciaquícolas em Sumatra, no Bornéu, e na Malásia Peninsular. Esta ave de grande porte é normalmente um animal solitário, que se alimenta praticamente apenas de peixe. O estado de conservação desfavorável desta espécie prende-se principalmente com a perda de habitat, o reduzido número de indivíduos em liberdade e a caça excessiva em algumas das áreas onde ocorre.

maguari

Maguari (http://www.oiseaux-argentine.com/archives/2011/05/27/13642770.html)

Em situação contrária às últimas duas espécies, encontra-se o maguari (Ciconia maguari), que não apresenta problemas de conservação relevantes e que se encontra um pouco por toda a América do Sul, tendo as suas preferências de habitat direcionadas para pântanos, zonas húmidas tropicas e pastos encharcados. É um pouco maior que a nossa cegonha-branca e muito parecida, estando as diferenças apenas no bico, patas e zona envolvente ao olho que são vermelhas. Apesar de não estar ameaçada esta ave é caçada em algumas zonas da Amazónia.

 

 

cegonha branca oriental

Cegonha-branca-oriental (http://animal.memozee.com/view.php?did=23511&tid=3)

Ainda assim, a espécie mais parecida à cegonha-branca, será a sua parente cegonha-branca-oriental (Ciconia boyciana). Esta espécie é um pouco maior e apresenta uma auréola vermelha à volta do olho, uma íris mais clara e um bico muito preto. Esta cegonha encontra-se Em Perigo de extinção segundo a IUCN devido à perda de habitat e à caça excessiva praticada contra os indivíduos da espécie. Pode ser encontrada na China e na Rússia, alimentando-se, tal como a sua congénere europeia de peixe e outros pequenos animais presentes em massas de água abertas e zonas encharcadas.

 

 

Tiago Neves, Bioinsight

A importância do Norte de África para a migração das aves

A fotografia em baixo foi captada no dia 16 de Setembro em Marrocos, mais precisamente, em El Jadida. Na fotografia podem-se observar cerca de 65 cegonhas-brancas pousadas numa só árvore!

Esta imagem é demonstrativa da importância do Norte de África para esta espécie, não só como local de reprodução das aves que aqui nidificam como também de local de repouso e descanso para bandos que venham da Europa e que migram para a África sub-sahariana.

White Storks

Fonte: moroccanbirds.blogspot.com

É sabido que, quando encontram condições adversas (por exemplo, do ponto de vista climatérico), estas aves tendem a pousar e esperar por condições mais favoráveis, durante períodos que podem durar vários dias. No caso de Marrocos essas condições prendem-se, por exemplo, com a entrada no Deserto do Saara, que além de apresentar condições atmosféricas muito específicas, é uma zona escassa em alimento. Consequentemente as cegonhas acabam por permanecer alguns dias na zona do Norte de África a recuperar forças, alimentando-se e descansando antes de enfrentar o deserto.

No caso de Marrocos, a importância é ainda mais elevada já que de maneira a evitar a travessia do Mediterrâneo, muitas aves procuram o estreito de Gibraltar para fazer a passagem para território europeu, sendo esta uma das rotas mais importante, juntamente com a rota de Leste pela Turquia. Este evitar de grandes massas de água está relacionado com o facto de as massas de ar quente, que permitem voos de longa duração, não se formarem sobre a água. Uma travessia pela rota “menos marinha” possível permite, assim, uma grande poupança de energia, mesmo que tenham que percorrer mais quilómetros. Por estas razões, este é um país de passagem obrigatória das aves migradoras e que aqui descansam e se alimentam.

Tiago Neves, Bioinsight

Porque é que algumas cegonhas não migram para sul?

Todos nós (pelo menos os mais curiosos), já reparámos que há cegonhas-brancas que, ao contrário do normal, não deixam os seus locais de nidificação no inverno e acabam por passar todo o ano nas suas zonas de reprodução. Este fenómeno tem-se observado cada vez mais e parece ir contra a natureza e ciclo de vida desta espécie. Aqui em Portugal, e também em Espanha, este acontecimento é ainda mais notado, já que as populações do norte da Europa acabam por fazer uma viagem mais curta e ficar por terras ibéricas.

Interessa então perguntar o porquê disso acontecer.

A principal razão parece estar relacionada com a cada vez maior abundância de alimento. Sendo uma espécie com um grau de adaptação notável e um oportunismo bastante elevado, a existência de lixeiras e aterros a céu aberto proporciona, a esta ave, uma grande e confiável fonte de alimento durante todo o ano, embora nem tudo sejam vantagens como já abordado num texto anterior neste blogue (http://blogues.publico.pt/cegonhasnaweb/2015/02/12/as-cegonhas-tambem-comem-comida-de-plastico/). Por outro, o lagostim-vermelho da Louisiana (Procambarus clarkii), espécie exótica que se propagou nas massas de água portuguesas ao longo dos últimos 40 anos e que apresenta uma abundância bastante elevada, proporciona também uma grande quantidade de alimento às cegonhas.

2015-11-13_cegonhas_neve

fonte: http://www.hancockwildlife.org

Com tudo isto, a população europeia e ibérica de cegonhas brancas já começa a ser apelidada de “Winter Storks” (cegonhas de inverno), visto que se podem observar durante todo o ano, o que há algumas décadas atrás seria impensável. Por exemplo, e segundo a Universidade de East Anglia no Reino Unido, o número de cegonhas que passa o inverno em Portugal cresceu de 1180 em 1995 para mais de 10000 em 2008 e os números continuam a crescer.

De modo a compreender melhor este fenómeno, a mesma universidade, com a colaboração de cientistas portugueses, encontra-se de momento a estudar os movimentos destes animais e a sua permanência na Península Ibérica e as razões que levam a que estes não migrem para África. Outro objetivo do estudo é o de perceber como é que a construção de aterros cobertos, em que o alimento deixará de estar disponível, poderá influenciar os padrões de migração da cegonha-branca, assim como o seu sucesso de reprodução, distribuição e locais de nidificação.

Tiago Neves, Bioinsight

Estatuto de conservação internacional e ameaças à cegonha-branca

Como já foi abordado em textos anteriores, as populações de cegonha-branca em Portugal e na Europa são atualmente constituídas por um número elevado de indivíduos, tendo recuperado de números muito baixos que eram observados há algumas décadas atrás.

Neste momento e segundo a IUCN (International Union for Conservation of Nature) a cegonha- branca está classificada para o território europeu como uma espécie Pouco Preocupante em termos de estatuto de conservação (LC – Least Concern). Esta classificação acontece porque esta espécie não apresenta características populacionais e demográficas que levem à sua inclusão numa categoria de risco de extinção, como por exemplo, o declínio da sua população, a diminuição das áreas de ocupação, ou mortalidade e/ou doença causada por parasitas ou outros agentes prejudiciais à sua saúde.

Assim, e de acordo com a IUCN, esta espécie apresenta um número abundante de indivíduos e uma área de distribuição alargada, sendo que até aparenta uma tendência de crescimento do seu efetivo populacional. Neste momento a população europeia está estimada entre 224000 e os 247000 casais, o que equivale a quase meio milhão de indivíduos maturos.

No entanto, ainda existem ameaças à saúde desta ave icónica que sobrevoa os céus da Europa, África e MédWhite-stork-feeding-on-catfishio-Oriente. Uma das mais graves é por exemplo, a drenagem de grandes prados húmidos, locais essenciais de alimentação. A industrialização e a intensificação dos regimes agrícolas provocam também uma diminuição das áreas de alimentação e a contaminação de solos, água e potenciais presas da cegonha-branca por pesticidas e herbicidas cada vez mais utilizados na agricultura moderna. Além disso, e apesar de esta ave ter uma grande adaptabilidade à presença humana, as construções modernas, ao contrário das mais antigas, não são favoráveis à construção de ninhos. As operações de manutenção e limpeza de casas e outras estruturas como postes e torres, afetam também o número de locais onde os casais reprodutores podem nidificar. Outro factor ligado à presença humana que perturba e causa mortalidade nesta ave são as colisões com linhas de alta tensão, principalmente aquando dos seus movimentos de migração. Em alguns países pratica-se também a caça à cegonha.

Para tentar contrariar tudo isto, esta espécie foi introduzida no Anexo 1 da Diretiva Aves, no Anexo 2 da Convença de Berna e no Anexo 2 da Convenção das Espécies Migradoras, protegendo assim a nível legal os indivíduos desta espécie e facilitando a tomada de ações de conservação dirigidas a esta ave, integrando ainda as interações humanas na gestão das populações, tais como a exploração agrícola extensiva e sustentável, o uso reduzido de fertilizantes, a beneficiação e restauro de zonas húmidas, ou o enterramento de linhas elétricas de alta-tensão.

Tiago Neves, Bioinsight

Bibliografia:

http://www.birdlife.org/datazone/userfiles/file/Species/erlob/summarypdfs/22697691_ciconia_ciconia.pdf consultado a 28-10-2015

Viagens das cegonhas-brancas – Setembro 2015

No final do mês de Agosto foram publicados neste blogue os primeiros movimentos, registados entre Julho e Agosto, das quatro cegonhas marcadas com emissores de GPS em Junho.

Chegados ao final de mais um mês de acompanhamento, é altura de proceder a nova avaliação dos padrões das localizações recebidas através dos emissores. Infelizmente, de acordo com os dados obtidos até meados de Setembro verificou-se que três dos quatro emissores colocados nas jovens cegonhas-brancas cessaram de emitir. Não é conhecida a causa desta situação, contudo, não existem razões para suspeitar que algum evento nocivo tenha acontecido às cegonhas, sendo possível que os emissores se tenham avariado ou que se tenham soltado das aves.

Assim, em termos das localizações recebidas de duas das cegonhas – Tulipa e Lírio – foram recebidas dados concentrados somente na envolvente a Coruche, não tendo sido possível acompanhar a dispersão e o início da migração outonal destes juvenis.

As localizações recebidas do emissor da cegonha Girassol, que no final de Agosto já se encontrava na envolvente a Portimão, permitiram-nos acompanhar os movimentos desta cegonha ao longo da costa sul de Portugal e a sua chegada a Espanha, passando por Huelva e Jerez, tal como se pode observar na figura abaixo. Contudo, no início de Setembro dispositivo GPS cessou de emitir, pelo que fica a incógnita de qual o trajeto desta cegonha.

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A cegonha-branca Aurora é, à data, a única para a qual se mantém a receção de localizações através de GPS. Ainda durante o mês de Agosto foi possível acompanhar a deslocação desta cegonha até Espanha, tendo chegado no final ao mês à zona entre Gibraltar e Tarifa, após uma breve passagem por Sevilha. Durante o mês de Setembro, os dados recebidos mantiveram-se numa zona envolvente a Gibraltar, tal como se pode observar na figura seguinte. Esta área, nas proximidades de uma estação férrea, é composta por campos agrícolas e por uma pequena ribeira que poderão ser utilizados como local de alimentação. Durante o próximo mês será possível avaliar a existência de alterações nos padrões dos dados recebidos pelo emissor GPS.

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Importa salientar que as cegonhas foram marcadas com uma anilha colorida (azul), com os códigos “5T+”, “5U+”, “5S+”, “5V+”. Todas as novidades sobre avistamentos destas aves serão bem-vindas!

Joana Santos, Bio3

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A ciência da migração das cegonhas

O estudo das rotas migratórias da cegonha-branca iniciou-se com um ornitólogo alemão chamado Johannes Thienemann, pioneiro na anilhagem de aves e que começou, com a recaptura de alguns indivíduos marcados, a perceber a dinâmica das populações.

A ciência das migrações foi-se desenvolvendo ao longo dos anos e sabe-se agora que as populações de cegonha-branca não residentes invernam na savana africana desde o Quénia, Uganda até à África do Sul, onde se juntam grupos de mais de mil indivíduos. Alguns grupos divergem ainda para o Sudão e para o Chade, chegando mesmo à Nigéria. Na Primavera, como todos sabemos, as aves regressam a norte, chegando à Europa em Março depois de uma viagem que dura perto de 50 dias. Já a viagem invernal para sul demora metade desse tempo, já que as aves contam com vento de cauda e aumentam a sua velocidade média quando sobrevoam zonas de escassez de recursos.

Existem basicamente duas rotas principais que as cegonhas-brancas que nidificam na Europa Central utilizam nas suas travessias euro-africanas, e ambas visam evitar uma longa travessia marítima sobre o Mediterrâneo. A rota de leste, que atravessa a Turquia, passa pelo Sahara e percorre o vale do rio Nilo para sul e a rota de oeste que atravessa o Estreito de Gibraltar. Estes corredores de migração são utilizados também pela presença de correntes de ar quente que permitem às aves poupar energia nas deslocações.

A rota leste apresenta-se como a rota mais importante já que anualmente cerca de 530.000 indivíduos utilizam este corredor, no entanto é apenas a segunda espécie mais representada, já que o Bútio-vespeiro (Pernis apivorus) é a mais representada. Os bandos formados por cegonhas, aves de rapina e outras aves podem nesta zona alcançar dimensões de 200 km.

Já as jovens aves que pela primeira vez partem rumo aos destinos de invernada, para sul, são muitas vezes incapazes de contrariar algumas condições atmosféricas que encontram pelo caminho, acabando por divergir nos destinos e ocupando novas zonas, o que não acontece nos adultos que, através da procura de ventos fortes, conseguem acabar no local onde costumam invernar.

Em termos energéticos, as cegonhas dependem da ascensão de massas de ar quente para planarem e assim percorrerem grandes distâncias nas suas migrações anuais. Embora a rota mais curta fosse atravessar o mar Mediterrâneo, energeticamente essa travessia não é compensatória já que as massas de ar quente não se formam sobre o mar e a travessia seria energeticamente muito mais dispendiosa. Um estudo de 1996, realizado com aves de rapina, mostrou que para a mesma distância percorrida, o bater das asas metaboliza 23 vezes mais gordura corporal que o voo planado. Percebe-se assim o porquê de as cegonhas fazerem travessias continentais e não marítimas ainda que estas se apresentem mais curtas.

Tiago Neves, Bio3

 

Bibliografia:

Spaar, Reto; Bruderer, Bruno. (1996). “Soaring Migration of Steppe Eagles Aquila nipalensis in Southern Israel: Flight Behaviour under Various Wind and Thermal Conditions” (PDF). Journal of Avian Biology 27 (4): 289–301. DOI:10.2307/3677260.