É sabido que nem todas as cegonhas-brancas presentes na Europa, mais especificamente, na Península Ibérica, migram para África para evitarem as baixas temperaturas invernais, principalmente devido ao facto da disponibilidade alimentar ser constante durante todo o ano, muito por causa da presença de lixeiras a céu aberto um pouco por toda a região ibérica. No entanto, esta fonte de alimentação pode trazer problemas de saúde aos animais.
É este o tema que trazemos, na sequência de um texto anterior já publicado no blogue sobre este assunto (http://blogues.publico.pt/cegonhasnaweb/2015/02/12/as-cegonhas-tambem-comem-comida-de-plastico/).
Num estudo muito recente, uma equipa de investigadores (Gilbert et al., 2016), entre os quais investigadores portugueses do instituto Superior de Agronomia, seguiram através de GPS, 17 cegonhas-brancas durante aproximadamente 9 meses, de modo a perceber a extensão e a consistência de utilização de lixeiras por parte das mesmas durante a época de reprodução e fora da reprodução. Os resultados mostram que as cegonhas se deslocam a lixeiras por vezes a várias dezenas de quilómetros de distância ao seu ninho! Estes movimentos ocorrem durante todo o ano, ainda que na época de criação de desloquem menos tempo e menos longe. Os dados GPS obtidos permitiram ainda concluir que estas cegonhas não migraram na época invernal e uma das razões que pode levar a esse comportamento será a disponibilidade de alimento presente nas lixeiras, que em alturas de maior escassez de alimento “natural”, se desloca a estes locais. Este estudo vem assim corroborar as observações feitas anteriormente. Infelizmente, este comportamento potencia a ingestão de alimentos contaminados.
Aliado a essa questão, uma equipa de cientistas espanhóis (De la Casa-Resino et al., 2015) analisou crias de cegonha-branca de colónias na Estremadura, procurando pela eventual presença de contaminantes como poluentes orgânicos persistentes (POP), mais especificamente pesticidas organoclorados (na sigla inglesa – OCP) e bifenis policlorados (na sigla inglesa – PCB). As crias analisadas pertenciam a três colónias diferentes, com diferentes níveis de exposição a poluentes urbanos. Os resultados mostraram que os PCB’s não estão presentes, no entanto, uma grande variedade de inseticidas clorados foi encontrado no sangue dos juvenis de cegonha branca, como por exemplo um metabolito do bem conhecido e mal-afamado DDT, que apesar da sua proibição, se mantém no ambiente e se acumula ao longo da cadeia alimentar.
Contrariamente ao que os cientistas esperavam, a colónia que apresentou a maior concentração de contaminantes era aquela mais afastada de lixeiras e rodeada por prados naturais sem agricultura. Sendo assim, de onde vinham os contaminantes? Os cientistas apontam para o facto de algumas das cegonhas destas colónias ainda migrarem para África, onde o DDT ainda é usado para fins agrícolas e para controlo dos mosquitos portadores do vírus da malária. As cegonhas adultas, passam assim os contaminantes para os seus ovos e as crias, que nascem na Península Ibérica e que apresentam desde o nascimento a presença dos mesmos.
Citando outros estudos, estes cientistas falam também dos efeitos, que a longo termo, estes poluentes podem causar nas aves, como uma diminuição da taxa e reprodução, já que os ovos se tornam mais frágeis, com a casca mais fina e quebradiça. Outros problemas mais extremos podem incluir a feminização dos machos, a redução do número de ovos por postura, alteração do comportamento e deficiência dos embriões, já que estes compostos acabam por atuar sobre o sistema endócrino, alterando a regulação hormonal.
A fonte destes contaminantes presume-se ser a alimentação das cegonhas à base de pequenos roedores, minhocas e anfíbios, tornando as crias de cegonha, um bom bioindicador da presença ou ausência destes poluentes.
Estes dois estudos, apesar de parecerem distintos, mostram-nos como esta espécie é altamente adaptável e alimenta-se onde conseguir, principalmente em alturas de maior escassez. O risco de contaminação parece também ser elevado não só nas cegonhas que se alimentam em lixeiras na Península Ibérica, mas também naquelas que migram para África. A cobertura de aterros e lixeiras definida pelas diretivas europeias poderão assim, ter um impacto nas populações de cegonhas, sejam eles positivos pela diminuição da ingestão de alimento contaminado, quer negativo, pela diminuição da disponibilidade alimentar imediata.
Tiago Neves, Bioinsight
Bibliografia:
Gilbert, N. I., Correia, R. A., Silva, J. P., Pacheco, C., Catry, I., Atkinson, P. W., … & Franco, A. M. (2016). Are white storks addicted to junk food? Impacts of landfill use on the movement and behaviour of resident white storks (Ciconia ciconia) from a partially migratory population. Movement Ecology, 4(1), 1.
De la Casa-Resino, I., Hernández-Moreno, D., Castellano, A., Pérez-López, M., & Soler, F. (2015). Chlorinated pollutants in blood of White stork nestlings (Ciconia ciconia) in different colonies in Spain. Chemosphere, 118, 367-372.