Há uma promessa no início de Interstellar: olhar para o céu à procura de sinais. Mas quando o filme de Chris Nolan chega, enfim, ao espaço, parece que já não há nada para encontrar.
Por momentos, sim, é uma promessa sobre o que já fomos e o que somos agora – espectadores de cinema.
Há uma promessa de sopro nos inícios de Interstellar, de Chris Nolan, quando a parte terrestre do filme começa a ser interpelada pelo espaço: Matthew McConaughey, tal como o Roy Neary/Richard Dreyfuss de Encontros Imediatos do Terceiro Grau (Steven Spielberg, 1977) a olhar para o céu à procura de sinais – a Terra está à beira de um desastre ambiental no filme de Chris Nolan, McConaughey sacrifica a família em prol de um desígnio superior, a Humanidade.
Ou então, Os Eleitos/The Right Stuff (1983), de Philip Kaufman, porque McConaughey está distante do modelo homem/criança do subúrbio spielberguiano (Spielberg esteve ligado ao projecto, foi para ele que Jonathan Nolan, irmão de Chris, escreveu uma versão do que é hoje o argumento) e é mais capaz de se mostrar herdeiro natural do apelo da fronteira, da inquietude do pioneirismo, tal como vivido no western – Sam Shephard era Chuck Yeager, era test pilot mas também era um cowboy, n’Os Eleitos, um dos mais belos filmes, e não dos mais vistos, do cinema americano.
O que já fomos como espectadores…Nolan disse numa entrevista: “Cresci numa época que foi a idade de ouro do blockbuster, em que aquilo a que podemos chamar o filme de família tinha apelo universal. É algo que quero ver de novo. No que toca ao tom do filme, olha para onde estamos como pessoas e tem a universalidade da experiência humana.” A promessa inicial de Interstellar é esta: fazer a (nossa) história, a história daquilo que vivemos, daquilo em que já acreditámos. Não é só possibilitar a contaminação da nostalgia, simular esse passado do final dos anos 70, princípio da década de 80 (a luz, mesmo a de Poltergeist), e a inocência como se tudo isso pudesse existir num tempo imobilizado fora de tempo, que era o que fazia JJ Abrams em Star Trek, 2009, e em Super 8, 2011. Seria mais do que isso, então: seria interceptar a viagem, observar o que o tempo (nos) fez.
É uma promessa que só dura enquanto sobrevive a crença de quem olha– se calhar: enquanto o espectador julga encontrar no ecrã o apelo que McConaughey, Dreyfuss ou Shephard escutam do céu. Toda a primeira parte de Interstellar se vê com dose suplementar de inquietude (não lhe chamaria angústia) perante a possibilidade de nada já estar, se calhar, ali. A verdade é que a ambição de contar essa história (que é, nem mais nem menos, uma parte da história do cinema americano) encontra pela frente a realidade do que somos hoje como espectadores (e espectadores de um filme de Nolan).
Quer dizer, Interstellar acaba por ser mesmo feito à nossa medida, somos nós, hoje, consumidores de um catálogo virtual, feito e refeito à la carte. Quando se chega aos céus é que, afinal, se descobre que não há nada a encontrar? Depois de simulacros do Abismo, de James Cameron (ou o amor a espalhar-se entre as estrelas no lugar do amor absoluto nas profundezas), depois das variações do 2001, Odisseia no Espaço, de Kubrick, sem Danúbio Azul (para quem vê no Interstellar a coabitação Spielberg + Kubrick, lembre-se que isso já foi testado, chamou-se AI, Inteligência Artificial), o filme mostra-se árida paisagem para as cabeças falantes. É só isso, afinal, Interstellar, sem drama, sem pathos. Há qualquer coisa de involuntário momento de verdade, como a apoteose de um anti-clímax (se isso fosse possível): quando todas as promessas iniciais se esfriam (que Nolan não é Spielberg, nem Kubrick, nem Cameron, nem nunca há-de ser, já se sabia, de qualquer forma…), quando a paisagem emocional se congela, o embaraçoso vazio que se mostra, mal disfarçado com planos do espaço e de naves, não pode já ser preenchido – nem por qualquer sucessão ensurdecedora de tweets a anunciar “acontecimento”.
para quando um especial sobre a obra do gregg araki, a propósito do incompreendido
“White Bird in a Blizzard”