A caminho do Noroeste americano Kelly Reichardt encontrou o seu melhor filme

 

photo-Night-Moves-2013-4-1024Kelly Reichardt anda há vários filmes a caminhar em direcção ao Noroeste americano, para o Oregon.

Vem procurando o espírito de um lugar, porque há cinco filmes que tudo começa a partir de histórias de Jon Raymond, escritor de Portland, e da relação com essa paisagem. Pelo caminho os filmes de Kelly vêm tacteando, como se procurassem no escuro, uma América paralela. Ouvindo os sons que ainda se ouvem, como aquele apitar de comboios ao longe em Wendy e Lucy, das grandes narrativas americanas. Do que resta de um património, social, político, cinematográfico. Se calhar já só há escuro…

Kelly Reichardt chegou então ao seu melhor filme: Night Moves, que teve estreia mundial no Festival de Veneza (competição) e que no sábado abre a retrospectiva que o festival de Curtas de Vila do Conde dedica à cineasta. Aí encontra três activistas ambientais que se juntam para concretizarem o seu idealismo e o seu dogmatismo: a explosão de uma central hidroeléctrica. As personagens de Jesse Eisenberg, Dakota Fanning e Peter Sarsgaard terão a sua existência ancorada na realidade do Noroeste, explicou a realizadora em conferência de imprensa em Veneza: uma zona dos EUA cheia de consciência ambiental, de mundos que se protegem na sua autosuficiência, consumindo o que produzem, e nessa bolha fazendo levedar o seu radicalismo. Mas Jesse, Dakota e Peter interpretam personagens que são reconhecíveis do universo de Reichardt/Raymond: a dificuldade de despertarem empatia, a obsessão, o mutismo – Jesse Eisenberg pode mesmo ser uma variação da personagem de Michelle Williams em Wendy e Lucy (2008).

Na sua actividade de radicais razoavelmente amadores, acabarão por causar “danos colaterais” – a morte de um campista que pernoitava na zona da explosão. Mas por essa altura, Night Moves é já só noite (espantoso trabalho de fotografia de Christopher Blauvelt) e ambiguidade moral: as personagens estão cercadas como numa prisão, há sombras de grades no seu idealismo. Este fica para já, na companhia de Old Joy (2006), como o filme de Reichardt mais ensopado em fantasmas – como todo um património cinematográfico a que Kelly, professora de cinema, tem acesso, da paisagem do western de Anthony Mann à Terceira Geração, de Fassbinder, passando pelo thriller paranóico dos anos 1970 ou pelo fabuloso Du Rififi chez les Hommes, de Jules Dassin…

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