O paraíso infernal de Ulrich Seidl estará à nossa espera no IndieLisboa

A trilogia Paradise de Ulrich Seidl – Love, Faith, Hope – vai ser exibida no IndieLisboa (18 a 28 de Abril), na secção Observatório. O projecto foi concebido como uma longa-metragem, mas depois, na mesa de montagem, local onde o cineasta austríaco continua a manter tudo em aberto, deu origem, ao longo de ano e meio, a três filmes autónomos que estrearam nos festivais de Cannes, Veneza e Berlim, provocando reacções de incómodo por um suposto culto do grotesco da parte de um cineasta que despreza personagens. Sublinhando que não é preciso ter visto um para aceder aos outros, Seidl colocou sempre como ideal a possibilidade de ver os três juntos pela ordem de estreia: assim a experiência emocional será mais intensa e justa para com as três mulheres de uma mesma família que constituem as personagens destes filmes – será mais justa também para o projecto cinematográfico de Seidl. O Indie, diz a organização, será um dos primeiros festivais a possibilitar isso.

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Cannes 2012 mostrou Paradise: Love: Teresa, uma cinquentenária em turismo sexual no Quénia, onde a esperam, e às outras sugar mamas, beach boys que tocam na mulher branca em troca de dinheiro, motocicletas, carros ou casas. Foi na mesma edição em que Amor, de Michael Haneke, teve a Palma de Ouro, um ano depois de Michael, de Markus Schleinzer, ter sido ali estreado. Assim se avistava uma ofensiva austríaca do desconforto, da violação da intimidade, quando não mesmo, segundo algumas acusações, do grostesco e da exploitation. Naquilo que diz respeito a Seidl – já que Haneke quando encerrou Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva no apartamento em Paris assumiu a agressão do cinema mas passou o filme a negociar a presença da câmara -, o desconforto perante os filmes é o resultado de eles funcionarem como espelho. Os planos – a frontalidade e a duração – obrigam-nos a olhar de frente para as personagens e a lidar com o que se passa na nossa cabeça: resistências, ideias feitas (sobre beleza e fealdade dos corpos, sobre aquilo a que Seidl chama “o ideal socialmente determinado de beleza” que, diz ele, “raramente corresponde” ao seu sentido do erótico). Quer dizer: facilmente viramos contra o realizador de Dog Days e de Import/Export (escolhas anteriores dos programadores do Indie) as nossas dificuldades e embaraços. Há, por isso, um desafio de crescimento e de movimento que é feito ao espectador. Tal como as mulheres destes filmes, como notou a escritora Elfriede Jelinek, num ensaio, são impelidas ao movimento, movidas talvez por um insaciável desejo de felicidade. Que, por ser insaciável, nunca é um ponto de chegada. Mas levam com elas o realizador e quem vê até um ponto perto da ternura. Seidl afinal é um humanista?

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A capela começou a mostrar-se com Paradise: Faith, em Veneza 2012 (Prémio Especial do Júri). Foi o filme que soltou os títulos com a palavra “escândalo” que a imprensa italiana costuma ter já prontos. Isso por causa de Anna Maria (Mar­ia Hof­s­tat­ter) – irmã da Teresa de Paradise: Love -, que leva a estátua da Virgem de casa em casa para que Viena regresse à vir­tude, se entregar a Jesus, amando o cru­cifixo em toda a exten­são. “Fer­vente ultra-cattolica fa sesso col cro­ci­fisso”, reparou-se durante o festival. O que é verdade, mas também é mentira, porque banaliza a experiência da personagem e do espectador. E reparou-se pouco no marido de Anna Maria, um egíp­cio muçul­mano con­fi­nado a uma cadeira de rodas. Reparou-se pouco nessa guerra para a imposição de iconografias que Seidl monta com o despique conjugal, invertendo as posições do retrato habitual dos “fundamentalismos”. Sobretudo, sobra solidão caída por terra num final em tons alucinantes que é também o cume do trabalho de uma actriz que se assume incapaz de compreender Deus (“sou apenas humana”) mas que se preparou durante sete anos para a devoção absoluta desta ofegante personagem.

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A história contida neste segundo filme da trilogia – que se completa com Paradise: Hope, apresentado em Berlim, em que uma adolescente obesa (filha de Teresa, sobrinha de Anna Maria) vai para um campo de dietas – parte da investigação que Seidl fez para Jesus, You Know (2003), documentário sobre “a intimidade com Deus”. O Indie potencia o jogo de ecos à espera de serem experimentados programando esse filme e ainda Animal Love (1995) – que motivou o seguinte comentário de Werner Herzog: “Nunca tinha visto de forma tão directa o Inferno no cinema” – e Models (1999).

 

E fará mais o Observatório, ainda potenciando ligações com a obra de um realizador que o Indie já mostrou: de Werner Herzog, que foi Herói Independente em 2009, vai apresentar quatro episódios, de 52 minutos cada, da série Death RowPortraits, retratos de condenados que esperam a injecção letal em cadeias do Texas e da Florida, um conjunto concebido para fazer companhia a Into the Abyss, que foi exibido o ano passado no festival.

 

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