A catástrofe Ferrara

 

Abel Ferrara: alguns dos seus filmes correm o risco de se extinguirem durante a projecção porque nesse momento se torna manifesta a sua fragilidade, a sua impossibilidade. Por isso, é preciso ver “4:44” (competição). Só visto, só então sentido. É um filme-catástrofe. Em sentido literal: o mundo vai acabar, às 4h44 da madrugada (é também um filme que nunca sabemos se tem condições de continuar). É preciso ver o que Abel Ferrara faz com dois actores (Willem Dafoe e Shanyn Leigh, que esperam, como todas as outras pessoas, pela morte), um apartamento e um terraço em Nova Iorque e o tráfico de material de arquivo, sobretudo de imagens televisivas. Reinventa de um só golpe a ficção científica paranóica de serie B (claustrofóbica, como a dos anos 50) e o “filme de casal” – ou seja, um filme de tamanha fragilidade produtiva investido de tanta poder fundador. Ferrara, cineasta, é um misto de feiticeiro, de traficante e de demiurgo. E “4:44” deve ser o mais sereno filme-catástrofe de que temos memória.

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