À procura de Nick, tropeçamos em Al

“Usamos o instrumento para fazer música, não utilizamos a música para realçar o instrumento”, dizia Nicholas Ray – falava de actores, falava de si. (Este é centenário do nascimento do realizador de “Johnny Guitar”, Veneza programou a versão restaurada de “We Can’t Go Home Again” e o documentário da viúva de Ray, Susan, “Don’t Expect Too Much”.) Mas no caso de Al Pacino, notamos sobretudo o instrumento. Quer dizer: Al passa e o ar comprime-se. “Wilde Salome” (fora de concurso) é menos sobre Oscar Wilde e sobre a peça “Salomé” do que sobre a “obsessão” de Pacino pela peça. E o mesmo se poderá dizer sobre “Ricardo III” e Shakespeare em “Looking for Richard” (1996). Pacino explicou que tem “uma visão” mas não sabe que filme tem – ou, acrescentamos nós, se tem filme. Pode acontecer que nos sintamos como os espectadores da “leitura da peça” que Pacino e Esthelle Parsons “encenaram” em Los Angeles: frustrados. Uma vez ultrapassado o esbracejar deste actor que alguém disse ser “genialmente cabotino”, deparamos com o vazio. “Genialmente cabotino”: por exemplo, no “Scarface”, de Brian de Palma. Numa sequência de “Wilde Salome” Pacino está na Irlanda, simula uma metralhadora na mão e, feito Tony Montana, desata a disparar para um fã que simula  impacto das balas. Genialmente cabotino, esse fã. Pensando bem, o Glory to the Filmmaker Award, prémio que Al recebeu (e que já foi para Takeshi Kitano, Abbas Kiarostami, Agnès Varda ou Sylvester Stallone), tem título deliciosamente cabotino.

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