“Carnage”, de Roman Polanski: uma carnificina de pouco mais de hora e meia em que os opositores rodam, casal contra casal, primeiro, mulheres contra homens, depois, e solidão para todos. Num “apartamento” concebido em Paris pelo director artístico Dean Tavoularis e a fazer de apartamento em Brooklyn, Nova Iorque, Polanski, que escreveu o argumento com a dramaturgo Yasmina Reza (o filme adapta a peça “God of Carnage”), ensaiou durante duas semanas com os actores, Jodie Foster/John C. Reilly, Kate Winslet/Christoph Waltz. Experiência que terá sido vivida, segundo Winslet, com um “healthy sense of trepidation”.
Há qualquer coisa de feliz no trabalho para chegar a esta infelicidade das famílias e dos esposos. A reparar: a forma como o “molde” dos actores, a “persona” que destilam nos filmes, é utilizado na carnificina. Por exemplo: a austeridade de freira laica de Jodie Foster, a anulação da sua sensualidade – ao serviço de uma personagem que vestiu, como armadura, um programa de consciência social; a bonomia de John C. Reilly como uma bomba relógio – uma disposição para a reconciliação que não é mais do que ressentimento; a lucidez amoral de Christoph Waltz – a única personagem que acredita na “carnificina” como “habitat” do humano; a falsa serenidade de Kate Winslet – não por acaso, a sua personagem vomita, “cena” de exposição, de revelação.
A propósito: essa cena (a segunda vez que Winslet vomita no festival, já que também o faz na mini-série “Mildred Pierce”, de Todd Haynes, cinco horas que passam em Veneza fora de competição) já mostrou a sua capacidade como “crowd pleaser”.