Um emaranhado verde e compacto. Serpentes prateadas, várias, vastas. E de súbito uma cidade a flutuar, incandescente. Poucas visões serão tão fantásticas, pelo menos a esta hora, com sol a pino. Não uma aldeia, não uma vila, não casinhas. Uma cidade com arranha-céus, uma Manhattan no meio da selva, cercada por rios.
E no entanto, o avião desce, aterra, aquilo é real, embora esteja longe de ser Manhattan. Nome de baptismo: Santa Maria de Belém do Pará.
Se o Padre António Vieira estivesse a bordo talvez usasse a palavra epifania, ele que tanto se dedicou a estas terras. Claro que nesse tempo a visão inicial era da água, não do céu. Assim avistaram os portugueses o que hoje é Belém, e aqui ergueram, em 1616, o primeiro bastião militar na Amazónia: o Forte do Presépio, junto ao qual logo nasceu um mercado.
Cá está o forte, com a soberba dos canhões e a relva mais bem tratada da cidade. E, logo à direita, o mercado, com os seus toldos — as suas velas, diria o poeta Manuel Bandeira, como se a cidade navegasse.
Nem soberba nem bem tratada, Belém está mais próxima do mercado, convulso e arisco. Quem desce a pé do centro ao cais, vai vendo o formoso casario esmagado por má arquitectura, passeios partidos, sem-abrigo e lixo, grades e “graffiti” à sombra das mangueiras, as célebres mangueiras de Belém do Pará, e de cada vez que se detém a confirmar o caminho dizem-lhe para ter cuidado com os roubos.
Ver-o-Peso — belo nome para um mercado que é, ele mesmo, fundador da primeira cidade da Amazónia — parece conter toda a história, toda a graça e todo o perigo de Belém.
O nome vem das casas onde se conferia o peso de cada mercadoria. As origens remontam a 1625, o que significa ter assistido por exemplo à chegada de Pedro Teixeira em 1639, depois da sua lendária expedição de 10 mil quilómetros até ao Equador, subindo os grandes rios da Amazónia.
Por aqui passou toda a mercadoria em que assentava o propósito colonial, com seus vários braços, índios, negros, escravos, comerciantes, soldados, missionários e esse espírito de contra-poder que foi o Padre António Vieira.
Era o epicentro, Ver-o-Peso, e continuou a ser no Brasil independente. Entre o fim do século XIX e o começo do século XX, o ciclo da borracha fez fortunas em Belém. Daí veio o esplendor que ainda aqui há, de fachadas e calçadas, pedras nobres e ferro de Inglaterra. Depois a semente da seringueira foi embarcada à socapa pelos ingleses, pondo fim à Bele Époque, e também isso terá acontecido neste cais.
As mandigueiras
Tanto tempo, tanto lastro deu vários mercados num só, o do peixe, o da carne, o do açaí — fruta amazónica que se tornou um hábito brasileiro, adoçado com guaraná, banana e granola, mas que na Amazónia se toma amargo e com farinha de tapioca.
E entre os vários edifícios, sacos de castanha-do-pará, cheiro de coentro e maracujá, pilhas de camarões que certamente vão acabar num tacacá, a sopa tradicional da região: camarão seco, goma, jambu (erva ligeiramente anestesiante) e tucupi (o suculento suco extraído da mandioca ao fim de longa fervura).
Cada edifício, cada banca será uma ponta da história. Para onde ir? Talvez para a direita, rumo à beirinha do cais. Mas até lá temos as mandigueiras, ou seja, as feiticeiras, bancas com mil frasquinhos, cascas e fibras, poções naturalmente mágicas.
“Unha-de-gato”, lê-se num frasco, e por aí vai: sebo de carneiro ou banha de tartaruga ou este leite “usado para secreções no peito e pulmão”, segundo Márcia, uma das anfitriãs. “Márcia, Iracilda, Patrícia, Mariazinha…”, apresenta ela, apontando em volta. Morena rija, que idade? “Quarentinha, minha querida.”
Como em todo o lugar, a tensão dilui-se mal a conversa engrena. Só o lugar nos protege do lugar.
Mais para dentro está Edna, na sua banca de óleos. “Viagra natural”, diz um. Como é isso? “É uma raiz, a marapuama.” O nome quer dizer “madeira potente”. Edna garanto que “serve tanto para mulher como para homem”.
E de repente, focando os olhos na esquina ao fundo: “Olha o mijão ali!” Toda a gente em volta começa a gritar com o homem, meio-cambaleante, roupa suja.
Até essa esquina há uma bela parede, tinta a descascar, janelões altos. Mulatas de calções sentam-se nos parapeitos a fazer a unha, caprichada com desenhos, mão e pé, e as amigas acompanham.
Edna está com 51 anos, uma filha de 26, outro de 10. “A gente do sul pensa que a gente aqui somos tudo índios papa-xibé, mas aqui todo o mundo é de Belém…” A gente do sul é o eixo Rio-São Paulo, e xibé é a farinha de mandioca misturada com água, bebida índigena das zonas rurais.
“Tudo isso a gente já aprendeu com os nossos pais”, diz ela mostrando os frascos: jucá (uma fava), catuaba (uma casca), arranco-toco (uma raiz), moleque-seco (uma erva), membro-do-macaco… Membro do macaco? “É uma raiz. É proibida. A gente paga multa para o Ibama…” O Instituto do Ambiente. Também há o membro-do-coati, que é uma casca. E fiquem os leitores sabendo: “Temos uma freguesa aqui de Portugal que leva tudo para vender lá.”
Incluindo as poções de amarrar amante fujão: “Agarradinho, Carrapatinho, Chega-te-a-mim, Chora-nos-meus-pés, Busca-longa, Corre-atrás, Vai-e-volta, Sexo-de-boto-tucuxi…” Os botos tucuxis são uma espécie de golfinho cinzento da Amazónia, e há toda uma rede de lendas sobre os botos engravidarem as mulheres. Mas sexo-de-boto? “Isso é muito procurado. Não tem nada do sexo do boto, são só ervas…”
Tal como a Unha-de-gato na verdade é um cipó da floresta. Mas quem traz tudo isto? “Os caboclos trazem e vendem para a gente, vêm lá do interior.” São ribeirinhos, vivem em casas de estaca, movem-se de canoa, plantam hortas. População rural da Amazónia. “A Natura [um gigante da cosmética] também veio cá e levou os nossos conhecimentos. Agora tem uma parceria com a gente…”
A dona desta banca, chefe de Edna, é na verdade Roberta, uma das mulatas sentadas a fazer a unha. Brisa mansa, a baía já aqui, à volta amigos, mas não se enganem, Belém não é doce, não. Roberta tem o coração partido. “Minha filha foi morta no cemitério, vai fazer um ano agora.” Desapareceu e o corpo nunca foi encontrado. “Foi levada por vampiragem”, acredita Roberta. Está a falar do tráfico sexual, muito comum aqui? “Não, doentes que bebem o sangue das pessoas, tipo de magia negra.”
Roberta acredita nisto, e no que vende.
Como está a violência nesta zona do mercado? “Melhorou bastante, tem mais policiamento. Sempre tem uns moleques, mas quem ‘tá com Deus ‘tá com tudo.”
Ao lado, tronco nu e cicatriz, Naldo vende só erva para banhos, “catinga-de-mulata, mangerona, pataqueira, abre-caminho… banho cheiroso, para atrair coisas boas”. No rádio que está a tocar entre as ervas, lê-se: “Naldo gostosinho”. E ele reforça, tronco empinado: “Eu é que sou o gostosinho.”
Sementes ao sol
Ver-o-Peso tem movimento 24 horas sobre 24. Há quem chegue à noite e há quem parta à noite. Há mais de 40 anos que esta é a vida de José, o vendedor de sementes encostado ao cais.
Saímos então da amálgama de bancas, e a vista abre-se para a baía do Guajará, encontro de dois rios. Ao longo do murinho, José estendeu cartões com sementes de todas as cores: maracujá, malagueta, acerola, graviola… Parecem uma pintura a secar ao sol.
E à volta da sua banca, caixas e cestos com as frutas, os cocos, os tesouros: castanha-de-caju, semente do cupuaçu, da bacaba, do patauá, do açaí, do uxi, do jambu, do taperebá, ouriço de castanha-do-pará…
“A maioria vem de fora da cidade. Da Ilha de Marajó, de Barcarena, da Arapá-Mirim, de Abaetê… São os ribeirinhos que plantam. Eles vêm no Inverno , de Outubro a Janeiro, quando é a safra de todas as frutas. Aí o pessoal ali [aponta para um piso acima, onde se vendem sumos] tira a polpa, e eu já compro as sementes.” De domingo a domingo, das seis da manhã às seis da tarde, é a sua vida.
Antes foi marceneiro, perdeu dois dedos. Nasceu em Bragança, uma das muitas terras ribeirinhas que aqui têm nomes portugueses. O pai era pescador, veio para Belém melhorar de vida.
Além das sementes, também há frascos de pimentas várias, e caixotes com estranhas formas amolgadas, como o genipapo. “Nunca comeu?” Abre um ao meio, como se fosse uma batata doce. É bom. “É para botar na cachaça e fazer licor…”
Atrás de nós começam a fechar bancas porque o Brasil joga daqui a pouco com o Paraguai. Um homem dorme deitado em caixas. Uma caixa de tomate tem uma tabuleta a dizer “Eden”.
O sol vai e vem, consoante as nuvens, batendo na baía castanha, terrosa, onde há 400 anos chegam barcos de longe.
Antes do poente, o forte vai encher-se de gente, namorados com a cabeça no colo, garotas douradas pela luz, crianças a meter a cabeça nos canhões. Até que o sol se extinga num postal formidável.
Não há então como não ver toda a beleza quebrada de Belém, por um momento ainda voltada para o rio.
(Público, 15-8-2011)
Global Message About this offshoot
General Low-down Far this outcome
General Tidings Around this artifact
Community Poop Around this artifact
Inclusive Information Around this artifact
Accepted Information Around this product
Accepted Tidings About this offering
Community Information Upon this issue
Community Tidings Far this product
Community Tidings Far this offering
Community Poop Upon this offering
Accepted Information About this artifact
Accepted Poop Far this product
Community Tidings Far this issue
General Intelligence Far this artifact
Inclusive Poop Far this artifact
General Intelligence About this issue
General Message Fro this offshoot
Accustomed Information Far this outcome
Global Message Fro this outcome
Unspecialized Facts Prevalent this product
Community Communication Prevalent this output
General Tidings Back this product
Overall Facts Prevalent this product
Unspecialized Facts About this product
General Information About this product
Global Information Far this product
Global Information About this outcome
General Message Fro this offshoot
Non-specific Low-down About this offshoot
General Dope About this by-product
Accustomed Dope About this offshoot
General Information Upon this offering
Accepted Intelligence About this product
Non-specific Message Fro this outcome
Accustomed Low-down Here this by-product
Accustomed Message About this outcome
Global Message Far this by-product
Non-specific Low-down Far this product
Non-specific Message Fro this offshoot
Accustomed Message About this product
Non-specific Message Far this product
Accustomed Low-down Far this offshoot
General Information Far this outcome
Non-specific Low-down About this offshoot
Accustomed Dope About this by-product
Accustomed Low-down Fro this product
General Dope Here this by-product
General Tidings Far this issue
Accustomed Message About this product
Accustomed Low-down Here this outcome
Non-specific Dope Far this by-product
General Low-down Here this outcome
General Low-down Fro this offshoot
Non-specific Information Here this offshoot
Non-specific Information Here this product
Global Low-down About this by-product
General Low-down Fro this product
General Dope Far this offshoot
Global Message Here this offshoot
Overall Tidings Back this output healthcare in
General Communication Back this output heat illness
Global Dope About this product how is std transmitted
Unspecialized Facts Prevalent this product health care problems
Accustomed Dope Far this by-product
Que difere uma receita da outra, é que gourmet conta com outros ingredientes,
tornando gulodice mais sofisticado. http://toplist.uphero.com/index.php?a=stats&u=mariajliafogaa1
Pandemic Point Here this scion
Non-specific Dope About this kin. How Hand down ObamaCare Influence Me?
General Information Fro this product medical school website
Pingback: Um roteiro pelo centro de Belém (ou o que fazer em Belém!) | Alma de Viajante
Pingback: Um roteiro pelo centro de Belém (ou o que fazer em Belém!) – Paradise Bit
Check out our new products! [Discount Code is aoom123]