Por Ana Gomes, eurodeputada
Numa sentença que não trouxe surpresas a quem foi acompanhando o caso e já esperava um desfecho ‘típico’ das investigações de corrupção de alto nível em Portugal, um coletivo de juízes das Varas Criminais de Lisboa ilibou todos os dez arguidos — três alemães e sete portugueses – no processo das contrapartidas dos submarinos.
Este veredicto é vergonhoso para a Justiça e desesperante para os portugueses. Ilustra bem como no processo judicial, a partir de certa altura na fase da investigação, tudo concorreu para conduzir a este mesmo resultado: a impunidade. O próprio pedido incongruentemente leniente por parte da acusação já o indiciava!
Sem ter podido ainda ler a sentença, mas atentando no que foi sobre ela divulgado na imprensa, conclui-se que os juízes não encontraram prova de “ardil ou encenação engenhosa” no contrato das contrapartidas associadas à aquisição dos submarinos para que pudessem sequer configurar crime de burla ao Estado. Justificaram-no por não valorarem a perícia encomendada pelo Ministério Público à empresa Inteli, entendendo que não cumpria requisitos de imparcialidade e criticando ainda a metodologia daquela empresa.
Tanto quanto se pode deduzir, o colectivo de juízes não nega, realmente, que tenha havido prática de crimes (o MP pediu, por entender que os havia, a condenação de todos arguidos). Mas determina a absolvição pelos vícios e ilegalidades do processo relacionados com o modo como a prova foi obtida pelo MP.
Acho que ninguém que tenha feito um esforço mínimo de informação sobre o caso duvida de que houve grossa burla e fraude cometidas contra o Estado: basta olhar para o inicial contrato das contrapartidas e a forma obscena como despreza os próprios interesses do Estado; basta olhar para as taxas de (in)execução das contrapartidas (e 52% delas, valoradas em 632 milhões de euros, eram supostas ter sido investidas nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo…); basta olhar para a renegociação do contrato (ilegal nos termos da directiva europeia sobre fornecimentos à Defesa, de 2009) empreendida pelo Governo e a Ferrostaal em 2012 e valorada em cerca de 800 milhões de euros, que ia passar a recuperar um hotel de luxo no Algarve e, um ano depois…nem isso! 34 milhões de euros é, recorde-se, a estimativa extremamente conservadora da acusação do MP quanto ao dano sofrido pelo Estado.
Desta sentença de um tribunal de primeira instância retira-se, antes de mais, a conclusão de que o MP, apesar de ter muitos operadores com profissionalismo, integridade e vontade de defender a legalidade e a justica, está dependente de orientações superiores que podem servir manipulações políticas, além da falta de meios, da falta de formação, da falta de real capacidade para prosseguir independentemente investigações respondendo a casos de corrupção de grande complexidade e envolvendo altos responsáveis políticos. Neste quadro se explica a rotatividade recorrente das equipas titulares da investigação. Não se trata apenas de demorar o processo e fazer muito voltar à estaca zero: a probabilidade de serem cometidos erros e viciar o processo investigativo obviamente também aumenta.
Deixando de lado os fundamentos da convicção do colectivo que levou à absolvição dos arguidos, julgo particularmente preocupantes – alarmantes mesmo – as considerações dos juízes que declararam este processo como “desnecessário e até desproporcional”, pois as divergências entre as partes poderiam ter sido resolvidas através da arbitragem ou através de renegociação, por iniciativa do próprio Estado. É inaceitável que um tribunal aponte para a desnecessidade da justiça estadual, como se estivessem em causa apenos meros diferendos contratuais. Como se não estivessem em causa actos criminosos da maior gravidade e um prejuízo colossal para o Estado, que o povo português está a pagar duramente! Como se não devesse estar em causa, também, e a ser apurada, a responsabilidade civil e criminal dos agentes do Estado – dos mais altos governantes aos mais baixos funcionários, civis e militares – que falharam no acautelamento dos interesses públicos, quer na negociação do contrato, quer na sua execução!
Apesar de ter chegado a tribunal, este processo das contrapartidas tem muito em comum com o processo que lhe deu origem e do qual foi autonomizado: o referente ao contrato da aquisição dos submarinos. Nesse, tudo parece estar a ser feito para que nunca sequer chegue a tribunal: a investigação leva já mais de sete anos e pode acabar em Abril próximo, com a prescrição da responsabilidade criminal dos envolvidos. Um resultado talhado a partir da decisão do Procurador Geral da República Fernando Pinto Monteiro de instaurar em 2010 processos disciplinares e afastar as duas Procuradoras que haviam iniciado a investigação e haviam mesmo conseguido desencadear uma busca conjunta com a Procuradoria da Justiça alemã, aos escritórios da Ferrostaal, em Essen, onde relevantissima documentação foi apreendida. O pretexto para o afastamento das investigadoras também passou pelo envolvimento da Inteli… Desde então, assistiu-se à rotação de procuradores encarregues do processo de investigação, a crónica e gritante falta de recursos financeiros, informáticos, de tradução e de outras diligências para “seguir o rasto do dinheiro” e obter prova dos actos e proventos da corrupção (recordemos os desaguisados verbais entre o PGR e a ministra da Justiça no final de 2011, sobre as razões por que a investigação marcava passo…).
Enfim, com base na documentação apreendida na busca conjunta desencadeada pelas originais investigadoras portuguesas, um tribunal alemão, em Munique, teve tempo para levar o processo a julgamento, dando como provada em 2011 a corrupção de agentes do Estado português determinantes para a aquisição dos submarinos e condenando por corrupção activa dois ex-gestores da Ferrostaal!
E actualmente decorre em Munique o julgamento de um dos agentes da corrupção, um cidadão alemão que exercia o cargo de Consul Honorário de Portugal em Munique. Cá o MNE limitou-se a demiti-lo: o Sr. Jürgen Adolf nunca foi chamado à justiça, vive beatificamente no Algarve a investir prosperamente no sector imobiliario… Também nunca foram ouvidos pela PGR – e ainda menos pela Assembleia da República! – nem chamados a prestar quaisquer esclarecimentos os dois principais responsáveis políticos pela decisão de comprar os submarinos ao consórcio alemão e de vincular o Estado português a contratos (o da aquisição e o das contrapartidas) em que o interesse público está, no mínimo, grosseiramente mal acautelado: o então Primeiro Ministro Durão Barroso e o então Ministro da Defesa Nacional, Paulo Portas.
Na Alemanha há condenados por corrupção em Portugal na compra dos submarinos. Em Portugal não há corruptos, nem corrupção. Submarina, anda a Justiça!
continue sempre a ser combativa pela transparencia pois se não forem uns poucos politicos que lutam pela clareza este pantano apodrece de todo.
sinceramente já tenho dificuldade em conseguir um adjectivo que qualifique, de forma correcta e abrangente, as pessoas que governam este país.
Até os Ucranianos, que consideramos gente sem objectivos, nos deram e continuam a dar uma lição de soberania. Os países pertencem aos povos, nunca aos governantes. Os portuguese têm mais que razões para exigir que o país pare e recomece de novo, com nova gente, com gente séria e credível….