Justiça ou Lavagem de Imagem

justiça

Por Marcelo Moriconi, investigador e membro da TIAC

Muito se tem falado sobre o facto de a Infanta Cristina ter sido constituída arguida no caso de branqueamento de capitais e fraude fiscal do instituto Nóos, gerido pelo marido Iñaki Urdangarin. O caso tinha delapidado a confiança social na monarquia e colocou a Justiça Espanhola numa encruzelhada: o esposo monárquico é um ex-desportista que se infiltrou no “sangue azul” através de um casamento e, portanto, poder-se-ía sempre procurar razões baseadas na proveniência, mas a filha de Juan Carlos e Sofía não deixa dúvidas sobre a sua procedência real. Imputar Urdangarín poderia até parecer aceitável, mas envolver um membro directo da realeza não seria considerado politicamente correcto para muitos sectores da sociedade espanhola.

Por isso, quando finalmente se tornou pública a imputação da Infanta, muitos entenderam o gesto como uma mostra de independência judicial, como se fosse uma chamada de atenção das instituições democráticas à realeza, protegida constitucionalmente. Os “indignados” espanhóis sentiam-se felizes, pois finalmente a balança da desprestigiada Justiça caía sobre os poderosos.

O juíz considerou que era preciso “evitar que a incógnita sobre Cristina se perpetúe” e que para além disso se devia garantir que “a Justiça é igual para todos”. Na prática, qualquer pessoa que tenha observado a realidade sabe que a Justiça não é igual para todos. Ainda assim devemos confiar pois, se não o fizermos, a democracia desfaz-se em pedaços. Por via das dúvidas, o primeiro ministro Mariano Rajoy sublinhou publicamente que acreditava na inocência da arguida. Poderão, as palavras de Rajoy, influenciar o processo?

É bom recordar que a Justiça trabalha sobre um discurso de verosimilidade e não sobre a verdade. Só é judicialmente criminal quem é culpado de cometer um crime. Se alguém comete um crime e é declarado inocente, não é social nem judicialmente considerado um criminal. De facto, é o argumento perfeito para fechar a boca de todos os desconfiados.

Este artigo não trata de pôr em dúvida a eficiencia e eficácia da Justiça Espanhola. Nem sequer pretende levantar desconfiança sobre a inocência da família real ou esboçar críticas à classe política espanhola. O objectivo é acalmar as ânsias daqueles que confundem uma imputação judicial com uma condenação, um processo com uma sentência judicial. A melhor forma de limpar um nome não é imunizá-lo nos tribunais, mas sim outorgar-lhe impunidade a partir de deliberações que o livrem de qualquer culpa.

A atitude da Justiça Espanhola foi felicitada não apenas em Espanha, mas também em vários países, incluindo Portugal. Falou-se de um exemplo de independência para a Europa, de uma demonstração de equidade. Mesmo alguns sectores monárquicos definiram a acusação como uma operação política para desviar as atenções medáticas da crise que o país atravessa.

O certo é que as acusações não dizem nada. Apenas as sentenças o dizem. E, neste sentido, a implicação da Infanta no caso pode ser, sim, um mostra de equidade e independência judicial, mas também pode ser a confirmação de que a implicação da Infanta com uma subsequente manipulação judicial será a melhor forma de acabar com a desconfiança e confirmar a sua impunidade.

Poucos sabem o que realmente se passou. A Justiça decidirá. E em última instância, a fé e a verosimilidade do discurso será o que vai determinar se as pessoas acreditam em Justiça ou Impunidade, quando a sentença se materializar. E poderão existir dúvidas em ambos os casos. E os sectores falarão. E é que no mundo contemporâneo, a autoridade e as hierarquias estão deslegitimadas. E a Justiça, que é um discurso sobre o verosímil, torna-se impossível. E bendita democracia. Que Deus a ajude. O mesmo Deus que um dia colocou monarcas para governar em seu nome.

Esta entrada foi publicada em Sem categoria com os tópicos , , , . Guarde o href="http://blogues.publico.pt/asclaras/2014/02/11/justica-ou-lavagem-de-imagem/" title="Endereço para Justiça ou Lavagem de Imagem" rel="bookmark">endereço permamente.

Deixar um comentário

O seu email nunca será publicado ou partilhado.Os campos obrigatórios estão assinalados *

Podes usar estas tags e atributos de HTML:
<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>