Por Ana Gomes, eurodeputada
A cada semana que passa surgem novos dados atestando o embuste de que se reveste o negócio da subconcessão dos terrenos e ativos da empresa pública Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) a interesses privados. Para chegar à subconcessão, o Ministro da Defesa Nacional, Aguiar Branco, invocou uma investigação da Comissão Europeia segundo a qual a empresa teria de devolver cerca de 180 milhões de euros por “ajudas de Estado” ilegais e, por isso, não havia alternativa senão o encerramento da empresa. Hoje, sabemos que:
- não houve ainda decisão da Comissão Europeia;
- se os ENVC tivessem de devolver “ajudas” não era a Bruxelas, mas ao Estado – isto é, seria uma operação contabilística de transferência de recursos do Estado (ENVC/EMPORDEF) para o Estado (DG Tesouro);
- a Comissão Europeia denunciou como não sendo verdadeiro “concurso público internacional” o que o governo português lançara em 2012 para privatizar os ENVC e
- por isso, o MDN interrompeu a processo de privatização e abriu o de subconcessão;
Percebemos, assim, que a invocação do “papão” de Bruxelas não passou de expediente para mascarar a intenção por detrás da subconcessão dos ENVC: desmantelar uma empresa pública com potencial produtivo, estratégica do ponto de vista dos interesses económicos e de segurança de Portugal e da UE, para entregar os seus activos – que incluem um porto – libertos de contratos laborais, ao sector privado e, especificamente, ao Grupo Martifer. Confirma-se, assim, que com este Governo e este Ministro da Defesa Nacional vale tudo para cumprir o desígnio de lucro de alguns privados à custa dos interesses do Estado.
À custa dos contribuintes, que desembolsarão já este ano cerca de 30 milhões de euros para o Estado pagar indemnizações de despedimento aos mais de 600 trabalhadores dos ENVC. Além do que virão a desembolsar nas próximas décadas em aquisições ao estrangeiro de navios para a Armada – pois o MDN cancelou em 2013 os encomendados pela Marinha portuguesa aos ENVC com o propósito de inviabilizar e desmantelar aqueles estaleiros. Note-se que, em ostensiva ofensa aos interesses nacionais – que passavam obviamente por o Estado reestruturar e assegurar gestão economicamente saudável àqueles únicos estaleiros portugueses – nunca sequer o Governo tratou de fazer valer junto Bruxelas que os ENVC construíam navios para a Marinha Portuguesa – o que justificaria por si só quaisquer “ajudas de Estado”! E ainda menos se deu o Governo ao trabalho de apresentar à Comissão Europeia um plano de reestruturação dos ENVC que permitisse até ir buscar fundos europeus disponíveis para o efeito!…
Importa atentar no processo de reprivatização – que o Governo interrompeu por causa da investigação de Bruxelas – pois já teria na base a intenção de dar o controlo dos activos dos ENVC a um determinado grupo empresarial: só assim se explica que tenha sido liminarmente excluída a experiente empresa norueguesa Volstad, com o pretexto de que a respectiva proposta chegara com 17 minutos de atraso (apesar de provas de que o envio por correio electrónico ocorrera antes do prazo…). Ora a Comissão Europeia denunciou, na sua comunicação de Abril de 2013, que o processo de privatização, embora designado de “concurso público internacional” se realizava, realmente, “através de venda directa – e não por concurso”!
Face ao questionamento de Bruxelas, o Ministro da Defesa – que nunca respondeu formalmente à CE – mais não fez do que cancelar o processo de reprivatização e inaugurar um novo, o de subconcessão dos activos dos ENVC. Acresce que o Governo português se absteve de notificar oficialmente do novo processo o executivo comunitário, que dele tomou conhecimento pela imprensa e pelas interpelações que recebeu da parte de deputados europeus, do Presidente da Câmara de Viana do Castelo e da Comissão de Trabalhadores dos ENVC.
No “concurso” de subconcessão, a notação de crédito da garantia bancária apresentada pelo Grupo Martifer foi factor preponderante na decisão do júri, já que a apresentada pela outra concorrente (o consórcio russo AK,) foi desvalorizada por ter “rating” B e o Caderno de Encargos do concurso exigir notação “A”. Acontece que a garantia oferecida pelo Grupo Martifer, respaldada pelo banco português Montepio, também merecia notação “B”, mas isto não foi motivo de exclusão. Afastados os russos, o negócio tinha que ir dar à única concorrente… a Martifer!
Os tropeções nas regras que regem a contratação pública em Portugal e na UE prosseguiram: em audição na Comissão de Defesa da Assembleia da República, a 8 de Janeiro, o presidente do júri do concurso, o Magistrado João Cabral Tavares, sustentou mesmo que o processo de subconcessão não tinha de obedecer ao Código das Contratações Públicas (CCP)! Não obedeceu ao CCP, nem tão pouco às directivas europeias em vigor no domínio do Mercado Interno no sector da Defesa e da Concorrência. Sobre isto, na qualidade de eurodeputada, recorri entretanto aos Comissários das respectivas pastas no executivo europeu, Michel Barnier e Joaquín Almunia. Fiz ainda diligências junto do Comissário da Indústria e dos Transportes, António Tajani, do qual depende a Política Industrial Europeia e, em particular, a Base Industrial da Defesa. Apresentei também uma queixa-crime contra desconhecidos junto da Procuradoria-Geral da República e tudo mais farei para que se investigue este caso, como outros aliás, em que existem sobejas evidências de práticas não- transparentes, irregulares e lesivas do interesse e do erário público.
O Grupo Martifer, ao qual pertence a nova empresa “WestSea” que vai explorar os activos dos ENVC até 2031 pagando ao Estado a renda irrisória de 415.000 euros, assumiu na proposta que apresentou ao suposto “concurso internacional” que aquilo em que queria investir era na reparação naval e que a construção seria um sector a visitar, eventualmente, no futuro. Mas Martifer e Governo português vêm há meses intercedendo junto do Governo da Venezuela para garantir que o contrato assinado entre os dois Estados para a construção, pelos ENVC, de dois navios asfalteiros, no valor de 128 milhões de euros, passe a ser assegurado pela inestruturada, inexperiente, mas privada “WestSea”, constituída pelo Grupo Martifer no final de 2013!!!
Isto é, o mesmo Governo que recusou durante dois anos aos ENVC o adiantamento financeiro necessário para adquirirem aço para cumprirem o contrato dos asfalteiros, arranjou dinheiro para o efeito mal começou a tratar da subconcessão e agora procura garantir que o contrato passe para a empresa privada subconcessionária. É, evidentemente, o mesmo Governo que vendeu à Navalria, associada da Martifer, a preço de sucata o aço já adquirido pelos ENVC para construir os navios encomendados pela Marinha – encomendas que o Ministro da Defesa Nacional tratou, entretanto, de cancelar…
Com a eventual entrega pelo Governo da encomenda dos asfalteiros em subempreitada à WestSea, o Estado continuará a ser último responsável pelo cumprimento dos requerimentos do contrato assinado entre as estatais PDVESA e os ENVC. Isto é, caso a WestSea não cumpra, quem responderá é Portugal. E quanto terá o Estado de pagar à Venezuela se a WestSea incorrer em incumprimento? É que os navios devem ser entregues já em 2015… E , para além de indemnização, que rombo causará na reputação nacional um eventual incumprimento?
Acresce que o Grupo Martifer está em conhecidas dificuldades financeiras – piores do que os ENVC. Há com certeza bancos a quem interessa recuperar dinheiro enterrado no passivo da Martifer. Na subconcessão dos ENVC e na subempreitada dos asfalteiros, o Governo colocou ao leme da engenharia financeira dos dois contratos o Grupo Espírito Santo, que está sob investigação por variadas razões e por demasiados casos lesivos do interesse público – incluindo a aquisição dos submarinos e respectivas contrapartidas, que deviam em 52% ter beneficiado os ENVC! São numerosas e conhecidas as parcerias entre o BES e o consórcio vencedor da subconcessão dos ENVC e a sua principal accionista, a Mota-Engil: é natural que ao Grupo Espírito Santo interessasse que o negócio fosse feito com a Martifer. O que o Governo, pela mão de um Ministro da Defesa Nacional com conhecidas ligações ao GES, tratou de assegurar: aqui não se lhe pode apontar falta de transparência!
Os portugueses – e, em particular, os mais de seiscentos trabalhadores dos Estaleiros – sabem das manobras que conduziram à assinatura do contrato de subconcessão dos activos, terrenos e porto da empresa pública ENVC em favor da recém-nascida empresa privada WestSea, do Grupo Martifer, cujo palmarés é órfão de experiência na construção naval. Não foi por acaso que o Governo o quis fazer no forte de S. Julião da Barra, bem longe de Viana do Castelo e do acesso de trabalhadores e de público: mais do que do enterro dos ENVC, como atestou a coroa de flores que o Presidente da Câmara lá foi depor, tratou-se de mais um enterro do interesse público e da decência em Portugal.
A Justiça portuguesa deve imediatamente anular a burla de Aguiar Branco e responsabilizar de imediato o governo por mais este crime publico.Estamos perante a os maiores TERRORISTAS dos interesses nacionais e pergunto se nao devemos de imediato começar a liquidar os intervenientes neste processo de autentico banditismo.