Por Luís Bernardo, historiador e membro da TIAC
De acordo com um estudo recente, da autoria de Lourenço Xavier de Carvalho, o grau de instrução e rendimento do agregado familiar de um indivíduo estão correlacionados com a disponibilidade para ajudar os outros. Isto é, os inquiridos com graus mais elevados de instrução e/ou de rendimento tendem a considerar menos importante ajudar os outros que indivíduos com graus de instrução e rendimento comparativamente menos elevados. Até aqui, nada de novo ou relevador. Trata-se de um conjunto de conclusões que alguns estudos de psicologia social e marketing, em particular nos Estados Unidos, têm sugerido. Na apresentação pública das conclusões, o autor parece sustentar que os resultados, referentes a uma amostra não-arbitrária (todos os inquiridos estão territorialmente concentrados no concelho de Mafra), permitem conclusões extensíveis à sociedade portuguesa.
Tomemos essa extrapolação como plausível. O significado simplista parece ser claro: se os mais ricos e instruídos dão menos importância à solidariedade que os mais pobres, e se acrescentarmos, a isto, que os indivíduos mais ricos e instruídos tendem a votar mais, as políticas públicas reflectirão, em primeiríssimo lugar, as preferências de eleitores ricos e instruídos que não consideram a solidariedade especialmente importante. Além disso, as democracias representativas actuais, entre elas a portuguesa, são muito sensíveis à pressão de grupos de interesse, que tentam influenciar o funcionamento do sistema político no sentido de produzir políticas públicas mais adequadas aos propósitos implícitos e explícitos desses grupos. Este conjunto de factores parece mostrar que a redução do investimento em políticas sociais, nos últimos anos, é um reflexo compósito do aumento de poder de uma coorte rica e instruída da sociedade portuguesa.
O significado complexo é de exame muito mais difícil. Em primeiro lugar, a bateria de questões apresentada por Lourenço Xavier de Carvalho não mostra que as diferenças de valores reportadas se traduzem em comportamentos concretos. Isto é, o facto de haver um conjunto alargado de respondentes ao inquérito administrado pelo autor que respondem de uma dada forma não tem uma necessária tradução em, por exemplo, doações ou trabalho voluntário. A percepção da solidariedade também pode estar mais ligada à representação da dependência – a solidariedade como modo de satisfação de necessidades – que a uma representação do bem comum. Em segundo lugar, a mesma bateria de questões não parece ter sido cruzada com indicadores relativos a confiança interpessoal e confiança nas instituições. Isto é, não podemos fazer inferências de boa qualidade acerca da percepção díspar da solidariedade entre os grupos de indivíduos inquiridos no âmbito do estudo acima referido. Pode, simplesmente, ser um efeito estatístico irrelevante. É evidente que pode ser altamente significativo, mas a justificação para essa significância não tem, para já, apoio teórico.
Isto significa que a solidariedade pode ser o valor-chave de uma sociedade civil atreita ao combate à corrupção, mas é tão provável que o seja como o da justiça ou do bem comum. Estes últimos, aliás, são mais facilmente sustentados teoricamente como conducentes a atitudes e comportamentos pró-sociais que a solidariedade, em especial se nos ativermos a uma definição vaga de solidariedade, facilmente confundida com a noção de caridade (num contexto social de matriz cristã, como o português, este é um risco importante). O combate à corrupção decorre, fundamentalmente, da percepção de uma injustiça fundamental e atentatória do bem comum. Nesse sentido, parece haver, por um lado, um consenso generalizado acerca da sociedade portuguesa como injusta e desigual, mas uma indiferença generalizada a respeito das noções de destino colectivo e bem comum. Se quisermos mover a sociedade portuguesa no sentido de se tornar uma sociedade bem-sucedida, talvez sejam esses os valores a defender e promover.
A SOLIDARIEDADE E UMA AÇAO SOCIAL COM A CAMPANHA DE ARRECADAÇAO E DESTRIBUICAO DE BRINQUENDOS NOVOS E USADOS PARA AS CRIANÇA CARENTE DA COMUNIDADE……